Cássio Politi: O Think Tech está no ar. Meu nome é Cássio Politi e junto com Algar Tech nós vamos embarcar nessa jornada de repensar possibilidades. No episódio de hoje, a gente faz uma imersão em redes inteligentes para cidades inteligentes. Por falar em inteligente, eu quero convidar aqui a Sara, nossa especialista virtual de negócios, para a abertura do podcast de hoje. Sara, quando a gente fala de cidades inteligentes, eu acho que a gente está falando de algo que não é utopia mais, não é? É realidade.
Sara: Você tem razão, Cássio. Cidades inteligentes não são apenas um sonho das pessoas. É um mercado que em 2020 já valia 820 bilhões de dólares. A previsão da Globe Newswire é de que esse mercado vá passar de 1 trilhão de dólares nos próximos 2 anos.
Cássio Politi: Esse é um tema sempre pertinente para nós, porque é o futuro para todos nós. Para o bate-papo de hoje eu tenho a satisfação e a honra de receber o Sergio Jacobsen, que é vice-presidente de infraestrutura inteligente da Siemens. Eu acho que a Siemens dispensa apresentação, mas talvez não custe dizer que é uma indústria eletroeletrônica presente nos mais variados segmentos. Passa por infraestrutura, medicina, mobilidade e muitas outras áreas. É uma empresa que só no Brasil está presente há 120 anos. Olha que curioso isso: o primeiro projeto no Brasil foi desenvolvido para o Dom Pedro II. Era uma linha telegráfica. Aí você vê o peso da história que vem junto com o nosso convidado de hoje, o Sergio. Sérgio, muito bom ter você aqui. Obrigado por aceitar o convite para esse papo.
Sergio Jacobsen: Cássio, em primeiro lugar, eu que agradeço. É um prazer imenso poder falar com vocês aqui sobre um tema que é tão interessante, tão empolgante, sobre tecnologia, infraestrutura. É o meu dia a dia aqui.
Cássio Politi: Legal, bacana. Você está muito ligado, Sergio, em redes inteligentes para cidades inteligentes, que é um tema acho que apaixonante, porque ele vai mexer muito com as nossas vidas. Agora, nem todo mundo é expert em cidade inteligente, principalmente em redes inteligentes. A gente ouve falar. Por isso que eu ia sugerir a gente dar um passo atrás e você explicar como que funciona, afinal, uma rede inteligente.
Sergio Jacobsen: Olá, Cássio. A rede inteligente eu digo sempre que é a parte mais importante da cidade inteligente e por onde a cidade inteligente deve começar, mas ela é composta por uma série de elementos. Essa pergunta me leva ao começo da minha carreira na rede inteligente, porque quando eu ia explicar para os clientes, mesmo até para alguns executivos lá em 2009, na Siemens, poxa, como que é uma rede? Me traz uma foto de uma rede inteligente, porque eu não tenho uma foto. A rede inteligente é a rede que tem a capacidade de se recompor, a rede que tem a capacidade de você ter mais qualidade, entregar mais qualidade, entregar com mais continuidade a energia. Ela é composta de alguns elementos. O que é mais óbvio e que todo mundo fala é sempre do medidor inteligente, o smart meter. O smart meter, qual é a diferença do convencional? É que ele tem uma comunicação e essa comunicação transmite essas informações de consumo de energia a cada 5, 10, 15 minutos, mas da onde vem a importância disso? A importância disso é na riqueza desses dados que são gerados por esse medidor. A partir dali você começa a ter transparência do consumo. Quando você tem transparência de consumo, você começa a ter mais facilidade até para implementar medidas de eficiência, por exemplo, mas não é só isso. Um medidor como esse também habilita outras tecnologias que vêm junto. Quando a gente fala de geração distribuída, porque um consumidor deixa de ser só um consumidor, ele vira um prossumidor, que é uma expressão até comum, que a gente usa bastante, mas você coloca uma fotovoltaica dentro da sua casa ou no seu comércio, na sua indústria, seja ela de qualquer tamanho, você passa a gerar sua energia. Não só isso. Você pode gerar energia, exportar ela para a rede elétrica, você pode ter sistemas grandes de armazenamento, para que você não exporte e para você que eventualmente fica até desconectado da rede elétrica em alguns momentos, por exemplo, em momentos em que a tarifa é mais alta. A gente fala agora também dos veículos elétricos chegando para o nosso dia a dia a gente vê muito hoje já caminhões elétricos em centros de distribuição de bebidas e alimentos, a mobilidade elétrica nas cidades para as garagens, mobilidade urbana, os ônibus começando a vir, então isso tudo traz uma complexidade maior à rede. Eu falei aqui muito da cidade ainda, mas quando a gente sai da cidade, você pensa em grandes blocos de energia hoje também, muita eólica, grandes blocos de geração solar, não esse distribuído de que a gente fala, mas grandes parques também espalhados principalmente no norte de Minas, no Nordeste, e aí é uma energia que vem com grande intermitência. Não é como uma usina hidrelétrica, que depois você abre e fecha a comporta, precisei de energia, abre. Aí você coloca todo mundo gerando energia também, espalhado pela rede elétrica inteira. Você coloca carros, veículos, de forma geral, para não ficar no carro só, porque tem os caminhões e os ônibus, que são cargas que ficam ainda se movimentando pela rede. Não sabe aonde ele vai se conectar. Você imagina a complexidade dessas rede que era muito mais simples de você gerenciar e aí ela demanda o quê? Demanda software para se fazer o controle, para se prever como é que vai ser esse consumo, como vai ser essa geração. Isso tudo demanda toda depois uma camada extremamente sofisticada de inteligência, que trata de dados. Você imagina, esse medidor vai subir dados, essa geração vai subir dados, esses carros vão subir dados. É um mar de informações que a gente precisa, de alguma forma, gerenciar e tomar decisões em cima dela.
Cássio Politi: Me parece, então, que o componente essencial para isso é esse medidor inteligente. Parece que a coisa começa a partir da coleta de dados. Como é que ele é? Vou fazer uma pergunta igual a que fizeram no começo da sua carreira: onde que ele está instalado? É nas instalações? É no meio da rede? Qual é a cara desse medidor inteligente?
Sergio Jacobsen: Esse medidor inteligente está sempre no consumidor. Ele está na entrada, onde tem o relógio. Ele substitui o relógio convencional. Ele fica sempre nessa porta e vai se comunicar com a central de alguma forma, seja via rádio, via celular, mas ele tem que estar sempre no ponto final do consumo. Hoje tem muito pouco. Para você ter uma ideia, hoje, no Brasil, a gente tem quase 90 milhões de pontos de consumo. A gente chama de unidade consumidora. De medidores inteligentes a gente deve ter… se eu falar 1 milhão é muita coisa. A gente tem muito pouca coisa. Hoje onde que a gente tem esses medidores? A gente tem eles no que a gente chama de grupo A, que são os grandes consumidores em alta tensão, consomem grande volume de energia, hoje praticamente todos eles são… a gente chama de tele medidos. Outro segmento em que usou muito a medição inteligente são áreas de grandes perdas, de perdas não técnicas, que a gente chama, que é o nome bonito para o famoso gato. Essa tecnologia foi muito positiva não para todos esses recursos que eu falei antes, mas para combater perda, para combater roubo de energia, porque esse consegue transmitir esses dados e a partir desses dados hoje nós temos um software que, por exemplo, consegue analisar esses comportamentos de roubo de energia e detectar quem é, e já mandar a inspeção de forma bastante assertiva no grande fraudador.
Cássio Politi: Isso é ótimo, porque roubo é roubo, não é, Sérgio? Não importa o que você está roubando, roubo é roubo. E roubar energia dá impressão que não está lesando ninguém, mas você está lesando a sociedade, está lesando o bom usuário também. A energia vai se tornando um recurso escasso, dada a demanda e dada a produção, tanto que tem todos esses cuidados. Agora, você citou o prossumidor. É interessante esse termo, que é o consumidor que produz energia. A gente está vendo isso acontecer cada vez mais. Toda hora vê alguém: instalamos no nosso prédio, foi na assembleia, colocou placa lá em cima. Uma pessoa que tem espaço na própria casa para colocar vai colocando. Como é que funciona a partir daí? Eles entram na rede inteligente, nesse caso? Eles passam a fazer parte dela? Sem esse aparato é impossível ou você até entra, você consegue jogar a sua energia na rede, talvez não gerando tantos dados? Como é que funciona? Precisa ter medidores e outros recursos ou não, se eu quiser colocar no meu prédio aqui eu posso colocar?
Sergio Jacobsen: Não, você não precisa. Você pode fazer isso sem você ter o medidor inteligente. Ele não é um empecilho. O medidor inteligente abre uma porta para outros recursos, como eu te falei, de eficiência energética. Vou puxar para uma tendência do mercado, que é um mercado livre. Você imagina que hoje você compra energia da sua concessionária, dependendo da onde você está posicionado geograficamente. A gente chama de mercado cativo. Hoje você vai devolver essa energia para a concessionária que você está conectado. Amanhã, quando a gente estiver no mercado livre, que a gente fala, você vai, da sua concessionária, por exemplo, estou aqui em Jundiaí e estou conectado à CPFL, mas ela não vai mais me vender energia, ela vai simplesmente me trazer o fio. Eu vou pagar um pedágio para usar o fio da CPFL, porém eu vou poder comprar a energia, por exemplo, do Cássio, que você está gerando. Cássio, me vende sua energia, que você tem um telhado grande, eu não tenho, então nesse mercado livre, quando a gente vai para a liberalização, que a gente chama, do mercado de energia, você vai ter esse comércio. Estou colocando aqui de forma bastante simplista, mas vai poder haver a livre escolha, compro de quem eu quiser, onde eu quiser, e você vai pagar esse pedágio pelo fio. Aí sim esse medidor inteligente faz mais sentido, porque ele vai dar essa transparência de dados de quando você comprou, de quem você vai ter um software ali que vai fazer toda essa consolidação, mas você vai precisar desse nível de dados para ter esse recurso. Um outro recurso, por exemplo, se você quiser usar só a sua geração que esteja remoto, você tem um outro recurso que chama resposta à demanda, que é: eu vou usar a energia na hora que eu tenho energia disponível e que eu tenho energia barata disponível. Por exemplo, eu falo que aqui em casa eu tenho algumas cargas que eu posso desligar ao longo do dia. Um dos ambientes eu posso desligar o ar-condicionado. Eu coloco isso automatizado. A tarifa subiu ou eu deixei de gerar energia em determinados momentos do dia, eu desligo aquele ar-condicionado e vou ter um desconto na minha conta. Isso tudo você depende dessa porta de entrada que é o medidor inteligente.
Cássio Politi: Nesse caso que você pegou, de poder fazer esse consumo inteligente, esse consumo otimizado, aquilo que a gente sabe como consumidor, a tarifa sobe em determinados horários de pico, por exemplo, e aí você não usa a energia, mas você não vai ficar sem luz em casa. Já existem jeitos práticos de armazenar isso? Eu fico imaginando, no horário mais barato eu carrego uma bateria ou algo do tipo, me perdoe por não usar termos técnicos corretos, que eu não sou da área, mas o raciocínio me parece ser esse. Eu abasteço uma bateria, igual a gente faz com celular. Às vezes você tem aquele carregador externo, você sabe que não vai ter tomada em algum lugar, vai viajar, alguma coisa, leva aquele carregadorzinho comigo. O princípio seria mais ou menos esse. Já existe algo nesse sentido, de poder armazenar para comprar a energia mais barata?
Sergio Jacobsen: Sim, Cássio. Você foi em um ponto muito bom, me dando um gancho para falar sobre o – a gente chama de – storage, que é esse armazenamento de energia, e que acontece não necessariamente só para você comprar e vender energia em horário barato e caro, mas tem diversas aplicações. Vou te dar um exemplo que nós… a Siemens, em primeiro lugar, fez um investimento em uma empresa chamada Micro Power, que é uma empresa que faz a implementação de baterias de grande escala, então vou te dar um exemplo em que nós fizemos aqui em conjunto Siemens e a Micro Power, que foi sobre uma mineradora, que ela usava a energia em determinados momentos, principalmente no horário de pico, que aí a energia é muito cara, e você comprar muita energia naquele momento é muito (inint) [00:14:21]. Fizemos: diminuímos a demanda contratada da empresa, porque as cargas, que quando o trem chega e carrega navio, era um porto, e esse momento que esse minério era transportado, ele consome muita energia, mas não é constante, só que exatamente no horário de pico essa energia é consumida. O que se fez lá? Se colocaram essas baterias, essas baterias armazenam energia no momento em que não tem nenhuma demanda, não tem nenhuma carga sendo movida ali, e ela desconecta, praticamente desconecta a instalação dessa indústria da rede e você vai para o mínimo de contratado. O resto da energia que falta você dispensa da bateria. Com isso, existe uma grande economia na conta de energia, mas o princípio é exatamente esse que você falou, Cássio. Eu te dei um exemplo aqui de bateria, mas existem outros. Outro projeto que nós estamos fazendo lá são os micro grids, que a gente chama de micro redes, que a gente pega lá, tem o projeto de (chic chic) [00:15:21] na Bahia e que é um projeto em que ele tem uma rede, uma mini rede, que são comunidades que são isoladas do sistema elétrico. Essa comunidade, o que ela recebe? Ela recebe uma planta solar, recebe um sistema de baterias e ele alimenta essa região. O que acontece? Durante o dia carrega as baterias e à noite eles continuam tendo energia de forma contínua. São comunidades que não tinham acesso à energia, então essa micro rede foi capaz de prover até uma melhora sensível na qualidade de vida dessa turma que mora lá.
Cássio Politi: Energia barata, não é, Sergio?
Sergio Jacobsen: Exatamente. Barata, energia limpa, sustentável. Só tem vantagens.
Cássio Politi: E você citou aí o mercado livre de energia que está a caminho. Claro que existem, imagino eu, muitas questões aí aprovar lá e deve passar, inclusive, pela política que deve ser, imagino eu, sempre uma parte árdua desse trabalho. Não estou aqui especificando o Brasil. Acho que qualquer país, quando você tem que passar algo pelo governo, é demorado, é trabalhoso, é custoso, mas isso, pelo que eu já conversei com você e outras pessoas, vai acontecer. É um caminho sem volta. Quando isso acontecer, o que muda realmente para as empresas e até para a gente? Você já citou aí, posso comprar energia. Ao invés de comprar, no meu caso aqui, (inint) [00:16:56] seu CPFL, a gente compra de um outro fornecedor. Para as empresas, a grande mudança é essa ou tem mais coisas que vêm a reboque disso?
Sergio Jacobsen: Eu acho que o primeiro ponto que a gente tem que colocar é acesso à energia mais barata. Um primeiro ponto é o financeiro, que vai diminuir. O custo diminui e a maior parte, quando a gente fala de indústria, um dos maiores custos é energia elétrica. Aí você vai ter acesso à energia mais barata. Vai ter acesso a mais produtores. Isso incentiva a mais geradores de energia, mais empreendedores, traz mais investimento para o setor elétrico também. Essa semana eu estive na Intersolar, que é acho que, talvez, o maior evento de solar aqui no Brasil, eu fiquei impressionado com o número de empresas que estão fazendo essa geração distribuída. Na hora que você vai para o (inint) [00:17:49] vai fomentar ainda mais investimento nessa área. Você tem distribuída intermitente, tem a bateria em uma segunda derivada, vai gerar não só benefício nas indústrias para ter energia mais barata, mas, sim, vai gerar uma nova indústria.
Cássio Politi: Isso é sempre bom. A gente viu acontecer com telefonia, Sergio. Não é difícil a gente entender do que está se falando. Lembra como era? Você tinha que comprar uma linha de telefone. Eu peguei essa fase. Você declarava no imposto de renda. Eu cheguei a ter, eu era novo, em um sorteio da Telesp, eu entrei, peguei a linha e aluguei a linha. Vai explicar para uma criança hoje, não é?
Sergio Jacobsen: Exatamente. Nem linha mais a gente tem.
Cássio Politi: Nem tem em casa e, outra, eu vejo muita gente que por n razões não consegue colocar crédito no celular, especialmente pessoas mais humildes, obviamente, e muda de número. É uma nova linha, por não ter recurso. Antes a gente, pelo contrário, fazia recurso com a linha. Imaginar isso para setor elétrico não é nada difícil. Claro, tem o jeito novo de fazer, mas está vindo aí.
Sergio Jacobsen: Está vindo. Ele não é simples, como você falou, ele está para ser liberado. Na verdade, é o famoso PL414, é o projeto de lei. Ele está no congresso. Alguns dizem que aprova esse ano. Já não sei se vem esse ano, mas está muito próximo de acontecer. Isso já está acontecendo de forma gradual, então cada vez está mais baixo que a barreira de entrada para o mercado livre, e a gente vê mais e mais empresas entrando, mas, ainda, o setor elétrico é complicado. Cabe aí a nós, que somos os players do setor elétrico, tornar ele mais simples, tornar ele mais que dê mais segurança para os consumidores para fazerem uma migração dessa, porque eu vejo ainda hoje que até muita indústria, e indústria grande, que tem uma insegurança de quanto vai comprar de energia. Você não pode estourar a demanda. Depois que você vai para o livre, você vai ter que ter certos cuidados. Você não vai poder consumir, primeiro, em qualquer hora, em segundo lugar, qualquer quantidade, então você tem que dimensionar muito bem quantos equipamentos você vai ter ligados ao mesmo tempo, que é a demanda. Se você estoura, você vai pagar muito caro nessa energia. Vai ter que ter um cuidado maior. Vai ser mais barata, porém tem os seus limites ali. Aí as pessoas vão ter que ter mais consciência, tanto no privado, mas principalmente as indústrias, os comércios que vão ter que ter um cuidado especial. Eu te dou até meu exemplo, porque tem os dois papéis, de se estou vendendo tecnologia para fora, mas o meu papel como administrador da indústria aqui, da Siemens, eu mesmo não olhava muito a minha conta aqui. Depois de um tempo que eu comecei a olhar, dar atenção, quanto que a gente está contratando, qual é a nossa demanda. É algo que é difícil de você fazer, você não sabe qual vai ser a produção daqui a um ano, como é que vai estar o nível. Quando você tem a geração própria, ela te dá uma certa flexibilidade também, o armazenamento, de você enfrentar essas variações ao longo do ano. A gente sabe que a gente está em um mercado que é muito variável, que é o Brasil.
Cássio Politi: Tudo isso que você explicou dos carros autônomos, dos conectores que vão transmitir dados e tudo mais, isso me faz pensar muito em internet das coisas, Sérgio. O time parece estar presente aí, que é justamente a internet ali presente em objetos que, até então, eram offline. O 5G, que chegou esse ano aqui ao Brasil e está sendo implantado, é claro que não é uma virada de chave da noite para o dia, vai demorar um pouco até colocar todas as torres e o 5G está tão difundido quanto é o 4G, vai demorar aí, dizem, 1 ou 2 anos, mas ele faz muita diferença nessa estrutura?
Sergio Jacobsen: Ele faz alguma diferença. Quando você falou a tua definição do IOT é perfeita, porque é tudo sobre IOT, todos esses elementos, a gente até chama de IOE, Internet Over Energy, uma das coisas da energia. Todos esses elementos têm uma comunicação. Eu falei dos medidores, mas a gente tem os elementos de chaveamento que ficam nos postes. Quando cai a energia, já tem religadores automáticos. Existe uma série de outros elementos, detectores de falta, que também usam dados. Eu vejo o 5G tendo um papel importante nos grandes centros, que é onde tem uma boa cobertura, não pela velocidade que ele propõe de banda, mas porque hoje as aplicações novas de energia não demandam muita banda ou velocidade, mas principalmente pelo consumo de bateria. Uma das características do 5G é baixíssimo consumo de energia e traduz-se em baterias mais…
Cássio Politi: Dizem 90% menos, não é? Eu li 90% de economia, quer dizer, se você gastava… para ficar fácil para quem está ouvindo a gente: pega um celular. Se seu celular a bateria dura uma hora você usando o tempo todo, vai durar alguma coisa como 9, 10 horas, a partir do momento em que você põe o 5G. Isso, claro, consumo só relacionado à banda, não outras aplicações.
Sergio Jacobsen: Exatamente. Aí quando você pensa em um elemento de IOT que está pendurado em uma rede elétrica, algo que dure 2, 3 anos, que vá durar 10 anos, isso aí você viabiliza um monte de aplicação, porque não é fácil você trocar bateria de um sensor de falta, por exemplo, que está pendurado em uma rede que está ligada. Você tem que desligar ela, você precisa de caminhão com cesto, então é difícil você fazer essa manutenção. Isso vai facilitar muito a vida nos grandes centros. Porém, tem o lado da rede mais remoto. A rede mais remota não vai se beneficiar do 5G. Ele vai estar onde tem grande consumo, mas um desafio hoje da rede elétrica é principalmente nas áreas mais remotas, onde você não tem nem cobertura celular e que hoje é colocado o rádio. Rádio, em algumas regiões até satélite. Tem bastante área aí para cobrir que os desafios são até anteriores ao 5G.
Cássio Politi: Eu encontrei um gráfico aqui no Estatista, até deixei na descrição do podcast o link para quem quiser dar uma olhada, queria falar um pouquinho de cidades inteligentes, porque tudo isso está no contexto de cidades inteligentes. Aliás, quem não ouviu, ouça o episódio 19, que foi ar em março agora de 2022, com alguém que você conhece, o Eron Fontana, a Neoenergia, que deu uma aula aqui para a gente de cidades inteligentes. Quem tiver a curiosidade, volta lá. Queria falar um pouquinho de cidades inteligentes, que é um tema que você domina também, Sergio. Eu estava vendo que o ranking da Estatista, tem muitos rankings aí mostrando quais são as cidades mais inteligentes do mundo. Dependendo do critério você pode pegar uma ou outra, mas nesse ranking é o seguinte: Düsseldorf, Newborn, Sydney, Amsterdã, Brisbane, Saragoça, Munique, C-U, Nova Iorque e Viena. São 10 cidades localizadas em 7 países, ou na Europa, ou na Ásia ou nos Estados Unidos. Não tem nada na América do Sul ou na África. A que distância a gente está de começar a querer veraí cidades brasileiras, não diria nas top 10, mas, de repente, top 20, top 30? Até colocando em um contexto importante aqui, eu não acho o Brasil atrasado, pelo o que eu vejo. A gente tem esse complexo de vira-lata, que foi bem definido pelo Nelson Rodrigues lá atrás. A gente vê o Brasil ser muito avançado em muita coisa quando a gente fala de tecnologia. O próprio 4G, não é, Sérgio? Você vai viajar para fora, o 4G daqui não fica devendo nada, que você pega em outras cidades do exterior. Não é uma pergunta denegrindo a imagem do Brasil, pelo contrário, é realmente saber de você qual é a perspectiva de a gente ter cidades inteligentes no Brasil e quais são as eventuais barreiras para isso.
Sergio Jacobsen: Primeiro, o que eu sempre falo: a cidade inteligente do Brasil é diferente da cidade inteligente que você colocou de Düsseldorf, se eu não me engano, qualquer uma delas. Para mim, a cidade inteligente é a aplicação da tecnologia para resolver os seus problemas. Aí a gente vai para uma cidade europeia dessas grandes, os problemas são totalmente diferentes dos problemas que nós temos aqui no Brasil. Eles têm lá, o problema deles é o trem atrasar 5 minutos. Também não querendo diminuir o problema deles, mas perto dos nossos são bem pequenos. Lá eles falam, o carro é autônomo, eles estão preocupados com o uso de pontos de recarga de energia, de carro elétrico no centro da cidade, semáforo inteligente. São outros problemas que não são os nossos. Se for fazer uma cidade com coleta de lixo automática, com duto, sistemas de aquecimento do distrito, que não são a nossa realidade, aí quando a gente vem para o Brasil, a gente fala de uma cidade inteligente, que eu vejo que tem que ter, é, primeiro lugar, uma rede elétrica, vamos insistir no tema, que seja confiável, que seja contínua, que tenha muita continuidade. Para um europeu, uma rede elétrica com alta continuidade é algo que ele nem cogita que não existe, porque a rede elétrica é subterrânea. É outro mundo. Primeiro lugar é esse. Em segundo lugar aqui, que é o saneamento. O saneamento aqui, a gente tem que avançar bastante ainda. O saneamento é você usar, e o desafio aqui também é maior do saneamento, que as cidades são grandes, apesar de ter bastante recurso hídrico, mas tem perdas também, então usar essa tecnologia para perda de água, que também é alta. A gente tem problemas sérios de trânsito e transporte coletivo, que não é o subterrâneo. A gente tem muito ônibus, então como usar, por exemplo, esses corredores nas grandes cidades, eletrificar eles ou fazer uma semaforização inteligente para essa área. A gente discute aplicações do piscinão ser inteligente. Tem interligação com a previsão do tempo, para que a boca que coleta a água abra mais ou menos em determinados momentos, para você evitar a enchente, aviso de desastres aqui. A gente tem no verão aqui sempre aquelas tempestades e que não existem lá fora. Uma forma inteligente de fazer essa comunicação, da defesa civil, por exemplo, para mim, essa que é a cidade inteligente do Brasil. E aí, quando a gente para Brasil, a gente está falando de uma realidade de grandes cidades aqui no Sudeste, quando você olha para o Centro-Oeste do país é um outro desafio, que são os terminais de escoamento de grãos, são outros desafios desse tipo de transporte. Norte do Brasil, ali principalmente no Pará, Amazonas, a gente tem muita geração de energia a diesel ainda por não ter acesso à rede elétrica, então tornar aquilo lá também de forma mais inteligente, conjugando o solar mais a bateria. São desafios muito inteligentes. Às vezes esses rankings levam em conta desafios muito sofisticados e que não são a nossa realidade. Eu acho que você está certo na sua análise, de fazer: Brasil é um país que realmente adota tecnologia e a gente adota até de forma mais rápida que outros. Muitas vezes eu falo com os meus colegas de outras Siemens aqui e eles, por exemplo, automação de subestações foi implementada em uma velocidade muito menor nos Estados Unidos do que aqui, porque eles estavam lá muito ligados à tecnologia antiga, e aqui não. Aqui o brasileiro adotou. A gente adota quando faz sentido para a gente, o que eu acho que é perfeito. Tecnologia, você não vai usar ela pelo simples propósito de usar tecnologias. Tem que ter um propósito por trás. Não é tecnologia pela tecnologia. Isso aí não faz sentido, ainda mais a gente, que tem pouco recurso. A gente tem que usar ele de forma inteligente.
Cássio Politi: Eu estava lembrando aqui de uma abertura que eu fui, Digital House, e eu não lembro agora quem era, aquela escola de cursos de tecnologia. Eu não lembro agora quem era. Um dos fundadores estava falando, ele vai me perdoar aqui por esquecer, mas o conceito fica, isso o que vale. Ele estava dizendo algo muito interessante, não tem a ver com cidades inteligentes, mas tem a ver com essa comparação que você acabou de fazer dos problemas de Düsseldorf, de Sydney, em comparação com os nossos. Ele estava em Portugal antes de vir para cá e voltou. A pessoa já com muito sucesso, empresas, muito dinheiro, tanto que estava fazendo um investimento grande aqui. Aí perguntaram para ele assim: você estava em Portugal, tem uma qualidade de vida maior, por que você voltou? Ele falou: porque não tem o que fazer lá em termos de inovação. Está tudo pronto. Você pega a estrada, está pronta. Ele deu até um exemplo do futebol: você pega times de futebol que têm tamanho de um time mediano aqui no Brasil, tem estádio maravilhoso. Aonde é que você vai inovar? Que problema você vai resolver? Você vê que o Brasil está com um monte de oportunidade aqui. Eu acho que vocês devem estar vivenciando um pouco isso, como Siemens aqui em comparação com Siemens lá, esse atraso em certos aspectos nos dá uma vantagem na hora de resolver problemas, não é, Sergio?
Sergio Jacobsen: Sim. Exatamente. E o país é um país de infraestrutura. É diferente de lá. Lá eles têm, você falou, a infraestrutura é pronta, então agora, esse momento aqui, está tudo indo bem, o mundo, apesar de guerra, os números estão bem, mas o pessoal com preocupação de crise, vem uma crise por aí, cuidado, e aqui a gente não vê isso nem de longe, porque a gente tem tanta infraestrutura para fazer, então você fala de redes. A gente tem muita para fazer. A gente tem muita ferrovia, tem muito porto, muito terminal. A gente usa pouco o transporte marítimo. Está para vir aí o marco da cabotagem, que vai impulsionar também o transporte pela costa, que a gente usa pouco. A gente usa muito a estrada, muito diesel. Se eu conseguir usar mais a costa, vai, primeiro lugar, trazer investimento em portos, em terminais. Se for ver, todas as capitais do Brasil estão na costa. Exceto São Paulo, e que tem uma linha até Santos de trem. A gente poderia usar mais. Seria de forma, talvez, até mais eficiente, porque você vai carregar muito mais em um navio do que em um caminhão. Tem acho muita coisa para fazer. Você pensa demanda de commoditie, demanda por alimento, alimento aqui hoje, a indústria que mais puxa os nossos negócios aqui é alimentos e bebidas, é alimento de forma abrangente, desde a produção, beneficiamento e tudo, mas é um dos segmentos mais promissores. Eu vejo isso só de forma positiva, a gente ter esse desafio de infraestrutura, mas tem muita coisa para fazer. É o que você falou. É bom que eu sei que eu vou poder aposentar, meus filhos vão ter trabalho na infraestrutura. Tem coisa para fazer.
Cássio Politi: É isso aí. A gente continua acreditando no país, isso é importante. Sergio, quero te agradecer muito aí. Sei que sua agenda é superconcorrida, de modo que a generosidade de você vir bater um papo e dar essa aula aí, quanta informação interessante. Eu aprendi muito, tenho certeza de que quem está nos ouvindo aprendeu muito. Cumpre, mais uma vez, com o nosso objetivo aqui no podcast, que é mostrar a tecnologia como meio, não como fim nela própria. Tudo isso que você trouxe aí é justamente a tecnologia melhorando a vida da gente, melhorando os negócios das empresas e por aí vai. Muito obrigado por participar hoje aqui, Sergio.
Sergio Jacobsen: Eu que te agradeço, Cássio. Um prazer poder falar com vocês, um prazer ter esse bate-papo aqui. Foi muito bom conversar contigo aqui. Espero ter contribuído.
Cássio Politi: Muito bem. Vamos chegando aqui ao final do Think Tech de hoje. Essa parte da conversa que a gente teve como Sergio Jacobsen, da Siemens, em que ele falou de gato me chamou a atenção, porque o volume de roubo de energia no Brasil é grande, não é, Sara?
Sara: Sim, Cássio. De acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica, a ANEEL, as fraudes no Brasil são gigantescas. São mais de 31 gigawatts roubados por ano. Para se ter uma ideia, essa quantidade de energia é suficiente para abastecer o estado de Santa Catarina inteiro por 1 ano.
Cássio Politi: Precisa pegar firme mesmo e combater esse tipo de crime. É isso aí. Think Tech de hoje fica por aqui. Até a próxima.