Cassio Politi: O Think Tech está no ar, meu nome é Cassio Politi, e junto com a Algar Tech, nós vamos embarcar nessa jornada de repensar possibilidades. No episódio de hoje, nós vamos fazer uma imersão em transformação digital. Como de praxe, eu começo dando boas-vindas para a Sara, a especialista virtual em negócios da Algar Tech, e minha companheira virtual de podcast. Seja muito bem vinda, Sara, ao Think Tech mais uma vez, tudo bem com você?
Sara: Tudo bem sim Cassio, e com você?
Cassio Politi: Tudo bem, Sara. Como eu disse, o tema de hoje é transformação digital, que tem a ver com a sua própria existência, não é Sara?
Sara: Pois é, o termo transformação digital começou a aparecer nos livros de tecnologia já na década de 1940, o primeiro a mencionar esse nome foi o norte americano Claude Shannon. Foi na esteira dessa teoria que, por exemplo, a primeira mensagem eletrônica foi enviada nos anos 60, ela foi precursora do que hoje conhecemos como e-mail. O termo transformação digital voltou à tona com tudo a partir da década passada, quando novas tecnologias surgiram, como inteligência artificial, big data e outras.
Cassio Politi: Muito interessante a contextualização histórica que você trouxe hoje viu Sara, e é com ela que a gente abre o episódio de hoje. Par o bate papo de hoje, eu tenho a satisfação de receber o Silvio Veloso, que é diretor de tecnologia e transformação digital da Kimberly-Clark. A Kimberly-Clark, para quem está no mercado, é uma empresa que dispensa apresentação, é a multinacional americana de produtos de higiene pessoal, e suas marcas são muito conhecidas, estou falando aqui de Huggies, Neve, Plenitude, Clinics, Intimus, e algumas outras que estão por aí. Silvio, é um grande prazer receber você aqui, obrigado por aceitar o convite para o bate papo de hoje.
Silvio Veloso: O prazer é nosso Cassio, obrigado pelo convite, sempre um prazer bater esse tipo de papo, é o que a gente gosta.
Cassio Politi: É um prazer para a gente também. E a gente vai conversar, como eu já mencionei na introdução do programa, sobre transformação digital. Estava dando uma lida aqui em alguns dados da Technology Magazine que dão conta de que em âmbito global, 70% das empresas têm uma estratégia de transformação digital em implantação ou já implantada, é um número significativo, não é Silvio? Eu queria te perguntar, na sua visão, transformação digital é para sempre nas empresas?
Silvio Veloso: Esse é um ótimo ponto Cassio, e eu acho até que quando a gente pensa no nome que a gente costuma usar, transformação digital, transformação, se a gente for olhar no dicionário, a gente vai encontrar uma definição muito parecida com algo, transformação é elevar algo do estado A para o estado B. E eu tenho uma visão muito particular sobre isso, que é, a gente não está vivendo uma transformação para ir de A para B, eu acho que a gente está indo de A para B, chegando em B a gente reavalia, aí a gente pode ir para C e reavaliar, ir para D, ou voltar para B. Enfim, então acho que o ambiente hoje é tão dinâmico e tão volátil, o ambiente competitivo dos negócios, das empresas, que é muito difícil você tratar um estado final para essa transformação com o nível de detalhe e segurança, e um baixo grau de incerteza. E transformação digital, para mim, sobretudo, é sobre aprendizado, acho que a gente aprende conforme a gente dá cada passo nessa jornada. Então, hoje eu não vejo um estado ou um dia onde a gente vai chegar na empresa e vai declarar: “Olha, somos digitais e a transformação digital está encerrada”, eu acho que a gente vai viver em estado de evolução constante, talvez a gente não use mais esse termo transformação digital, mas pensando nesse ponto de vista, nessa tônica, acho que talvez a nomenclatura mais adequada fosse evolução digital, porque aí a evolução é algo constante, é a transformação no dia a dia baseado naquilo que se aprende, baseado em como o contexto muda, e como você vai adequando e transformando seus negócios, suas relações com cliente, consumidores, fornecedores, em relações mais digitais e mais ágeis. Então, eu acredito muito em um estado de aprendizado constante e evolutivo, do que propriamente em um movimento de transformação, onde a gente claramente define um estado final, chega nesse estágio e encerra a transformação.
Cassio Politi: Gosto muito da sua resposta viu Silvio. Me parece que a gente teve duas etapas anteriores, que foi a… pegando do inglês aqui, a digitização, e essa sim teve um ponto final, quando você passa ali do offline para o online, do analógico para o digital, que é aquela comparação que você vê nos livros, você pegava ali… vamos pegar consulta médica, você sai do preencher o formulário do papel e passa a colocar no Excel, então você saiu minimamente do analógico para o digital, aí você foi para a digitalização, uma comparação boa é o processo de check-in de avião, você… então sai de um processo do cartão de embarque físico para o online, ok, o processo já era digital, mas você tinha ali parte da coisa toda ainda de um jeito meio físico, hoje já está na tela do celular, quer dizer, você não mudou muito o processo, você apenas tornou mais digital, então também é um processo que você consegue enxergar o fim. E passasse tudo para a transformação digital, você tem uma infinidade de tecnologias novas e infinitas, agora como você disse, que passam por internet das coisas, por big data, por manufatura aditiva, inteligência artificial, que a gente não consegue enxergar o fim, e aí é bem o que você falou, por isso que eu adoro sua resposta, porque onde isso acaba? Isso não acaba. Agora, essa terceira fase vai para sempre. E o que eu queria te perguntar é, no dia a dia de uma empresa do porte de vocês, 31 mil funcionário é o último dado que eu vi no mundo, não sei nem se ele está certo, mas no Brasil 4 mil e 500 funcionários, como isso é na prática em uma empresa? Como você vê isso acontecendo em uma empresa? Onde é que essa transformação digital cruza com um sea level como você no dia a dia?
Silvio Veloso: Ótimo Cassio, eu gosto muito da sua colocação, porque de fato a gente teve esse primeiro movimento de transformar o que já era feito para uma forma mais eficiente, você deu o exemplo da fixa médica, e enfim. E eu acho que foi natural, porque para começar qualquer transformação a gente precisa de resultados tangíveis e resultados rápidos que provem o valor dessa transformação e que habilitem os próximos passos. Então, para citar um exemplo nosso, a nossa marca Huggies de cuidados com bebê, é uma marca que sempre esteve presente no universo do chá de bebê, que por sinal Cassio, não sei se você sabe, o chá de bebê é uma coisa muito tradicional e cultural no Brasil, a gente tem dados aqui que mostram que certa de 90% das mães fazem o chá de bebê, aquele evento onde você recebe os convidados, que trazem um presente para a criança, enfim. E a gente lançou, em 2019, um produto digital chamado Mais Abraços que digitaliza esse processo de chá de bebê, e esse produto veio muito a calhar durante esse contexto de pandemia, onde os eventos físicos, os chás de bebê estavam muito restritos, então a hora que você começa a criar um chá de bebê digital e você dá a possibilidade para uma mamãe, para um papai, organizar o evento de forma digital, convidar as pessoas, você dá a possibilidade do convidado vir na plataforma, confirmar a presença, comprar um presente, que vai se transformar em um crédito para a mamãe e para o papai, que vai poder usar isso no momento certo do ciclo de vida do seu filho, com a frauda do tamanho certo, a frauda do tipo certo, mais adequada a fase daquela criança, você facilitou a vida dessas pessoas, mas no fundo ainda é um chá de bebê, então a gente transformou um processo que já existia. E acho que tem uma fase dois dessa transformação, que coexiste também com a fase um, não é que você precisa primeiro fazer a um para fazer a dois, mas é quando novas possibilidades de negócio e de formas de interação com o seu consumidor, com o seu cliente, se abrem pelo advento de capacidade que a transformação digital traz, de tecnologias que a transformação digital traz, de formas de se conectar que a transformação digital traz. Então sim, a gente viu esse movimento, a gente fez uso bastante dessa primeira fase, como forma de gerar valor, e hoje o que a gente busca cada vez mais é, está bom, mas o que mais eu consigo fazer com isso? E para responder a sua pergunta de como isso cruza com a vida de um sea level. A transformação digital precisa estar no coração da estratégia da empresa, a gente tem uma visão aqui de que a transformação digital não é um movimento a parte: “A estratégia da companhia está aqui e a gente vai colocar um outro movimento aqui do lado chamado transformação digital que vai fazer a gente mais digitais”, vamos dizer assim, essas coisas vão estar intimamente conectadas, a transformação digital é uma agenda, sobretudo, do CEO da empresa, e no caso do sea level, a responsabilidade é como é que a gente aterrissa isso. No nosso caso, a gente tem uma visão que transformação digital ocorre em todos os departamentos da empresa, a gente não seguiu por um caminho onde a gente criou uma área de transformação digital quase que como uma incubadora e colocou os projetos digitais lá, a gente entende que cada organização busca seu caminho, tem organizações que seguiram esse caminho, mas a gente achou que para o nosso caso, esse era o caminho mais adequado, onde a gente de fato faz uma transformação com as pessoas, não para as pessoas, quando você separa isso em uma outra organização, você transforma e depois você dá um destino a aquela transformação e aquele projeto, aqui a gente resolveu trazer as pessoas desde o primeiro momento e fazer essa transformação com elas. Então, hoje, o meu papel aqui é muito mais… eu brinco que é um arquiteto dessa transformação, é alguém que está olhando o todo, tentando mapear esses movimentos de transformação digital, conectá-los dentro de uma estrutura que faça sentido para a estratégia da empresa, que ajude na entregas da estratégia da empresa, e que coordene esses movimentos, que faça um monitoramento do progresso dessas iniciativas e que crie novas iniciativas também, para que esse movimento aconteça no limite de forma orgânica, esse é o nosso grande objetivo aqui como transformação digital, é que esse movimento seja tão incorporado pelas áreas de negócio, que talvez, no médio e longo prazo, a gente não precise mais ter esse papel de arquiteto, então é uma coisa até meio paradoxal, mas talvez o principal KPI de sucesso da área de transformação digital é que ela não exista no médio e longo prazo.
Cassio Politi: Deixa eu corrigir uma informação aqui ou melhorar uma informação, eu falei 31 mil colaboradores no mundo da Kimberly-Clark, mas são 46 mil, então a informação mais atualizada é essa, empresa cresce, não tenho culpa, mas obrigado pela atualização. Vocês tem também a prática dessas inovações dentro da Kimberly-Clark de várias formas, algumas empresas praticam isso como, elas vão trazendo para dentro de casa startups, outras escolhem algumas áreas e fazem assim: “Vocês tem uma verba, vocês vão praticando a inovação aí dentro de vocês vão, assim, promovendo a transformação digital”, então existem modelos no mercado para aquelas empresas chamadas incumbentes no mercado, que é uma posição de certa vantagem, porque elas estão ali há muito tempo no mercado, já dominam o mercado, tem força de marca, tem market share interessante, mas sabem que elas tem que estar inovando o tampo todo, porque o mercado hoje exige isso por N razões. Vocês atuam de que forma? Vocês estão ali up to date com a inovação de que forma?
Silvio Veloso: Legal Cassio, é muito prazeroso falar de inovação na Kimberly-Clark, porque inovação é um dos valores da companhia, a Kimberly-Clark completa esse ano no mundo 150 anos, então é um ano bastante icônico, vamos ter muita celebração, esse ano, essa merca é um motivo para celebrar, é uma companhia que reinventa e se perpetua já há 150 anos. E é uma companhia que teve inovação no seu DNA sempre, para você ter uma ideia, você citou no começo algumas marcas nossas, algumas de cuidar de BBB, outras de cuidar do feminino, outros de cuidado com a família, enfim, a gente opera hoje globalmente em oito categorias de produtos, e dessas oito, cinco fomos nós que inventamos. O que eu quero dizer com inventamos? Fomos os pioneiros no lançamento de produtos dessas categorias. Então assim, isso mostra o DNA de uma empresa que se preocupa com inovação e que entende que inovação é uma competência chave nessa perpetuidade. Então falar de inovação hoje, na Kimberly-Clark, é carregar esse legado de pessoas que fizeram essa história de 150 anos e trouxeram a gente até aqui, e a gente precisa reinventar o próximo capítulo dessa história. Inovação, a gente poderia discorrer horas sobre inovação e que tipo de inovação existe, e como inovar, enfim, eu vou escolher um recorte para te dar um exemplo de como a gente inova. A gente sempre olhou e monitorou o mercado de startups no Brasil, já há alguns anos, a gente viu esse mercado crescer, se desenvolver, e sempre fizemos interações com esse mercado, ainda pontuais, era um departamento que conhecia uma startup e fazia negócio com essa startup, enfim, era um outro departamento que fazia um negócio com uma outra startup, enfim, era um movimento isolado, eu diria, e acho que isso era natural na nossa curva de evolução. Em 2020 a gente decidiu fazer isso de uma forma mais coorporativa, eu diria, ou seja, olhando a companhia como um todo, olhando a estratégia, de novo, estou trazendo aqui o elemento estratégico como ponto central, e capturando dentro da estratégia problemas, desafios, oportunidades, para as quais a gente tinha certeza, a gente tem essa convicção aqui, que a gente não vai encontrar solução para todos os nossos problemas aqui dentro de casa, então é fato que a gente precisa abrir as portas da organização para trazer um pouco desse ar fresco de fora e encontrar outras empresas que consigam ajudar a gente a acelerar e resolver esses problemas de uma forma mais criativa, eficiente, que talvez se a gente fosse tentar resolver internamente levaria mais tempo, estaria mais caro, enfim. Então em 2020 a gente decide fazer um programa de inovação aberta chamado KC Conecta, abrindo dez desafios de negócio para o mercado de startups no Brasil, foram 60 desafios inicialmente coletados, olha quanto problema e oportunidade a gente tem dentro da organização que a gente gostaria de resolver, e aí foi já um primeiro desafio, sair desses 60 desafios e chegar em dez. Publicamos isso no mercado, tivemos 332 startups inscritas no desafio, isso foi um número que surpreendeu, a gente não esperava um número tão alto de startups inscritas, e aí fizemos o programa todo, com suas etapas, selecionamos as startups, até que chegamos no pitch day com 15 startups e decidimos fazer nove pilotos, desses dez desafios que a gente publicou no mercado. E só para te citar um exemplo, rodamos… tivemos pilotos que rodaram e que não apresentaram os resultados que a gente gostaria, e paramos por aí, o aprendizado super válido, mas a gente decidiu não escalar, mas também tivemos casos de pilotos que foram bem-sucedidos e que hoje já estão em fase de escala. Um exemplo que eu posso te dar, um desses problemas que a gente escolheu é, hoje a Kimberly-Clark faz cerca de 70 mil entregas por ano dos seus produtos aos nossos clientes, varejistas, atacados, distribuidores, redes de farmácia, players digitais e por aí vai, então 70 mil entregar por ano, e você pode imaginar que nessas 70 mil entregas sempre algum problema pode ocorrer em alguma parte dessas entregas, você pode ter o problema na rodovia, você pode ter um problema com veículo, você pode ter um problema com o próprio cliente que não consegue resolver naquele horário, enfim, então a gente chama isso de ocorrência de entrega. A gente tinha um processo bastante… eu diria até que moroso, de registro dessas ocorrências, tratativas, estava claro que a gente precisava ser mais ágil na resolução dessas ocorrências, e obviamente, isso ia trazer eficiência para todo mundo, beneficiar todos os elos dessa cadeia. Então a gente selecionou uma startup chamada CosmoBot, que tinha solução de bot, e a gente criou um bot de WhatsApp para conversar com esses motoristas, e obviamente todos eles, a penetração do WhatsApp é altíssima, todos eles têm, e a gente conseguiu resultados super expressivos de redução de tempo dessa tratativa, redução de custo, até redução do número de ocorrências em si. Então acho que esse é um belo exemplo de como a gente identifica uma oportunidade internamente, tem a humildade de reconhecer que talvez a gente não encontre a solução para aquele problema internamente, abre isso para o mercado, se permite engajar com uma startup, que traz uma solução, que cocria também com a gente, adapta a solução, e juntos a gente consegue resolver esse problema com resultados tangíveis de negócio. Então assim, só para te dar ume lente da inovação, e olha que eu nem falei aqui sobre inovação de produto, como é que a gente entrega produtos cada vez mais inovadores para os nossos consumidores, enfim, tem outras várias lentes de inovação internamente, mas eu quis te citar essa, que é uma que eu tenho bastante carinho.
Cassio Politi: Pois é, mas no fim das contas a gente acaba chegando naquilo que é até o mote do podcast, a razão até de existir do podcast, que é a tecnologia como meio e não como fim, eu acho que é isso que orienta muito hoje o profissional de tecnologia, como você, porque no passado existia um pouco da coisa da tecnologia pela tecnologia, o que eu acho que foi saudável também, muito se evoluiu na tecnologia, por essa paixão pela tecnologia, mas depois houve um amadurecimento para o mundo todo, de falar: “Vamos aplicar a tecnologia para alguma finalidade, melhorar a vida das pessoas, trazer lucro para as empresas, trazer produtividade para as empresas”, tem um resultado daquilo que as pessoas lá atrás de tecnologia acabaram proporcionando. Eu sei que tem muitos resultados dentro da próprio Kimberly-Clark, eu sei que vocês me contaram que vocês fizeram algumas aplicações legais, legais no sentido de bacanas, não legais no sentido de legislação, e uma delas que me sopraram aqui, acho que você podia contar, foi o chat bot para caminhoneiros, porque é uma coisa meio inusitada isso, a gente sabe de muitos casos de chat bot que você atende o público, o cliente, a gente mesmo já trouxe casos desse aqui no podcast, mas como é esse que você usa a tecnologia para atender o caminhoneiro? Você deu alguns números da própria Kimberly-Clark, com distribuição massiva, como foi esse caso em particular?
Silvio Veloso: Primeiro, a gente tem essa convicção que tecnologia é meio, e as nossas experiências aqui mostram cada vez mais que fica muito mais fácil definir tecnologia quando você tem clareza de fato de qual o problema que você está tentando resolver, onde está o valor, então sempre o que a gente tenta aqui é investir um pouco esse paradigma onde… acho que talvez nessa fase que você citou, a gente, as empresas no mercado coorporativo, a gente normalmente pegava um componente de tecnologia e dizia: “Olha, esse componente de tecnologia vai resolver um problema”, e aí a gente tentava encaixar esse componente de tecnologia em um processo de negócio, uma abordagem que funcionou, mas na minha visão uma abordagem que trazia muito mais dificuldade. Quando você inverte o paradigma, você vê que tudo sai mais fácil, então a gente tem esse exemplo do chat bot para caminhoneiros que eu estava te contando um pouco agora, que é justamente isso, ou seja, a pergunta inicial é: “Como é que eu posso reduzir o número de ocorrências nessas 70 mil entregas? Se essas ocorrências acontecerem, ainda vão acontecer, como eu consigo reduzir o tempo de tratamento envolvendo de uma forma mais ágil todos os elos dessa cadeia? E no final das contas, como eu consigo reduzir custo e trazer eficiência para todo mundo?”, quando menor o número de ocorrência melhor, quanto menor o tempo de tratamento melhor, e por aí vai. Então partindo dessas perguntas, a gente começou a pensar como é que eu consigo resolver aquele problema, o chat bot não foi o insight inicial, a gente não começou essa história dizendo: “Vamos fazer um chat bot para caminhoneiro, então tá, como a gente vai aplicar isso aqui?”, não, a gente começou entendendo onde estavam os gargalos desse processo, e como é…
Cassio Politi: A necessidade veio primeiro, não é?
Silvio Veloso: Sem dúvida, e aí você consegue ter a clareza e dizer: “Então se o gargalo está aqui no fluxo de comunicação, como eu consigo conversar hoje com o motorista do veículo de forma mais ágil?”, eu vou construir um aplicativo para ele? Talvez não, porque é mais um aplicativo que ele vai ter que instalar, que vai ter uma fase de convencimento. Então que aplicativo talvez ele já tenha, já use, já seja familiarizado que eu posso me alavancar? O WhatsApp. Mas o WhatsApp eu tenho que fazer uma conversa, então que tal fazer um chat bot? Então você percebeu que o paradigma é um paradigma inverso? Ninguém começou dizendo: “Vamos fazer um chat bot porque é legal”, não, a gente partiu de uma definição de problema e fomos, através obviamente… tem muita metodologia, muita disciplina por trás, muitos rituais, até a gente chegar nesse insight, e aí sim a gente parte para a construção da tecnologia, é aí que eu vou ver que API eu preciso, que camadas de segurança que eu preciso, como que eu vou controlar acesso, como eu vou garantir a confidencialidade, e aí vem todo essa discussão.
Cassio Politi: Muito bacana, muito legal ouvir dessa forma. Esse case específico mostra um pouco dessa cultura de tecnologia ser o enabler, o nome é muito americano demais.
Silvio Veloso: Habilitador.
Cassio Politi: Ser o viabilizador, o habilitador das coisas, e isso é uma questão de cultura, você não acha Silvio? Quando você traz isso para esse exemplo, quando você apresenta esse exemplo, essa é uma questão de tornar isso cultura na empresa? E é fácil você fazer essa cultura permear na empresa? Ou ainda existe uma certa batalha para fazer com que o pessoal, especialmente de TI, pense dessa forma?
Silvio Veloso: Não tenha a menor dúvida, Cassio, que é sobre cultura no final do dia, e pode parecer até meio clichê quando a gente fala que transformação digital é sobre cultura, transformação digital é sobre pessoas, mas é, não tem como fugir do clichê nesse momento, e isso me lembra sempre uma frase do Jeff Bezos, eu não sei se as palavras foram exatamente essas, mas a ideia era mais ou menos assim: “Cultura é algo difícil de mudar, para o bem e para o mal”, significa que a cultura, você não consegue destruir a cultura de uma organização de uma forma tão rápida, mas também quando você quer mudar, construir, também é um processo difícil, e a gente reconhece tanto a importância dessa questão cultural, que quando a gente estrutura essa agenda, naquela questão do arquiteto que eu te falava lá no começo, a gente separa essas iniciativas de transformação digital em alguns pilares, e o primeiro pilar, não por acaso, é um pilar que a gente chama de mindset, e mindset é sobre cultura, é sobre como eu mudo a cabeça dos nossos colaboradores e faço um convite para que eles venham junto nesse movimento, lembra que eu te citei lá no começo, é uma agenda de todos, é uma agenda que vem do CEO, conectando com a estratégia, mas é uma agenda de todos na organização. Então assim, não dá para fazer transformação digital só com algumas pessoas designadas que vão trabalhar naquilo, tem que ser com todo mundo, e para ser com todo mundo, você tem que mudar a cultura, você tem que adaptar, você tem que evoluir a cultura. Um exemplo que eu vou te citar de uma das iniciativas que a gente fez nessa tônica de mudar a cultura e mudar mindset, a gente percebeu que transformação digital tem um quê de experimentação, de aprendizado e erro, e tentar de novo. Então, se você tem uma cultura que não permite isso, que não facilita esse processo da experimentação, do aprendizado, do erro e da incorporação desse aprendizado, dificilmente você vai conseguir chegar lá, talvez você consiga chegar, mas não tão rápido, talvez de uma forma mais custosa, então se você se abre para esse aprendizado, você cria condições para suas iniciativas fluírem de uma forma muito melhor. Então a gente percebeu que a gente precisava estimular isso mais na nossa cultura, e a gente criou um programa chamado Aprendizagem Através do Erro, a gente convidou 50 embaixadores, que foram voluntários, se voluntariaram na organização para serem embaixadores desse programa, eles criaram um programa de formação, vamos dizer assim, que eles multiplicaram isso para o resto da população da companhia, falando sobre isso, ou seja, essa frase do Jeff Bezos que eu te citei aqui por exemplo, é uma frase que está lá dentro desse contexto. Então assim, você começa a mudar cultura, você começa a mudar mindset, e inclusive dentro desse programa, a gente encorajou pessoas a dividirem os seus exemplos de erros e o que elas aprenderam e como elas lidaram com isso, então a gente teve, posso te dizer aqui, em reuniões abertas da companhia, onde o CEO apresenta resultados, a gente teve depoimentos de pessoas que foram lá e disseram: “Esse trimestre eu queria dividir com vocês um erro que eu cometi e o que eu aprendi, como eu incorporei”, então com isso eu mando uma mensagem para a organização que a gente está aberto a experimentação, ao erro, e mais importante, a aprendizagem que você obtém ao cometer um determinado erro e o que você vai fazer diferente da próxima vez, então acho que esse é um exemplo de como a gente muda a cultura.
Cassio Politi: Muito bacana. Silvio, quero te agradecer muito pelo papo de hoje, muito enriquecedor conversar com você, quero deixar as portas abertas para você voltar mais vezes, você tem nosso apoio e nosso convite para sempre que você quiser, você voltar mais vezes, obrigado pelo papo hoje Silvio.
Silvio Veloso: Obrigado você Cassio, muito bom, e estamos sempre à disposição para bater papo desse tipo.
Cassio Politi: Muito bem, a gente vai chegando ao final do Think Tech de hoje. Sara, eu gostei muito da parte em que o Silvio fala que cultura é algo difícil de mudar.
Sara: Eu também gostei Cassio. O Peter Drucker, que é considerado um dos maiores autores em marketing da história tem uma frase famosa sobre cultura empresarial, ele dizia que a cultura come a estratégia no café da manhã.
Cassio Politi: Muito bem lembrado viu Sara, com isso, o Peter Drucker queria dizer que não adiantava nada você fazer planos maravilhosos em uma empresa se esses planos não estiverem alinhados ao comportamento das pessoas, porque as pessoas sempre vão agir de acordo com a cultura da empresa, ou seja, a cultura da empresa sempre vence. E autores como o Peter Drucker, pelo menos na minha visão, fazem muita falta, por isso que é bom contar com uma memória digital infinita como a sua.
Sara: Obrigada Cassio, eu realmente gosto de buscar no meu acervo digital alguns materiais de fontes de qualidade. O Peter Drucker, por exemplo, nasceu em 1909 na Áustria e morreu em 2005 nos Estados Unidos, ele publicou dezenas de livros e artigos que são referência até hoje, tanto no mundo acadêmico quanto no mercado.
Cassio Politi: E é disparado o meu autor favorito de marketing, tem outros bons autores também, como o Michael Porter, Philip Kotler, Seth Godin, que é o mais recente desses, o mais contemporâneo desses todos, mas na minha modesta opinião, o Peter Drucker é o melhor de todos, ele é meio que o Pelé, não sei, o Ayrton Senna dos autores de marketing. Então, com essa bela referência trazida hoje pela Sara que a gente vai fechando o Think Tech de hoje. Até a próxima.