Podcast Think Tech: Inteligência artificial na análise de crédito

Podcast Think Tech: Inteligência artificial na análise de crédito

Hoje vamos mergulhar nessa realidade e compreender qual o papel da inteligência artificial e de análise de dados no crescimento sustentável desse mercado. O nosso convidado é o Paulo Câmara, Head de TI da Midway, a maior emissora de cartões de lojas no Brasil.


Cassio Politi: O Think Tech está no ar. Meu nome é Cassio Politi e, junto com a Algar Tech, nós vamos embarcar nessa jornada de repensar possibilidades. No episódio de hoje, a gente faz uma imersão em tecnologia, funcionando em favor do crédito pessoal. Como de praxe, antes de apresentar o nosso convidado, eu quero bater um papo com minha companheira virtual de podcast. Ela é muito especial, nossa especialista virtual em negócios, a Sara. Ela entende muito desse mundo de tecnologia, e nós vamos juntos no Think Tech bater esse papo hoje e sempre. Sara, o tema de hoje é a oferta de crédito, que é um tema bem quente.

Sara: Olá, Cassio. É verdade, as instituições financeiras estão cada vez mais usando inteligência artificial para analisar crédito. Alguns bancos conseguem elevar a carta de crédito em 18% porque usam tecnologia em apenas 12 meses depois da implantação. 

Cassio Politi: Isso me parece ser bom tanto para o cliente quanto para a empresa, não é?

Sara: Exatamente, Cassio. É a tecnologia a serviço do negócio para analisar o crédito de uma pessoa com mais rapidez e mais precisão. 

Cassio Politi: Esse é o propósito do podcast Think Tech, tecnologia como meio e não como fim. Para o bate-papo de hoje, eu tenho a satisfação de receber o Paulo Câmara, que é head de TI da Midway, que é uma das alianças de crédito da Riachuelo, mas não é só crédito, é experiência, relacionamento, cobrança e várias atividades ligadas à Riachuelo. A Midway faz essa função, e o Paulo tem uma função importante nessa empresa. Além disso, passar um pouco do currículo extra TI do Paulo. Ele é autor do livro Seja mais, um manual para uma vida pautada pela idiotice. Só pelo título já me deu vontade de ler. E é cocriador de um programa muito bacana, o jogo sociológico O crime de Camurupá. É um projeto implantado em algumas faculdades de direito que facilita o acesso à interpretação jurídica em áreas como cível, criminal, para diversos públicos. Aliás, apresentou esse case em um evento na Califórnia. Paulo, é um grande prazer recebê-lo aqui. Obrigado por aceitar o convite.

Paulo Câmara: O prazer é todo meu, estar aqui conversando com você hoje, trocando algumas figurinhas de experiências. É um grande prazer de fato. Estou muito honrado em trocar essas experiências com você e conversar sobre o cenário do Brasil quando a gente olha para as visões de atendimento, experiência do cliente, crédito.

Cassio Politi: Estou curioso para bater este papo. Quando se fala em atendimento ao cliente, todo mundo entende o que é, você não está falando de tecnologia, de foguete ou coisa do tipo ou de nanociência. Todo mundo passa por isso, vai até uma loja, em algum momento da vida está ali usando crédito dentro das próprias lojas. Mas o que todo mundo percebe é que isso no passado era feito por uma interação entre pessoas. Existe a figura até do analista de crédito. Quantas pessoas não trabalharam com isso. Hoje o atendimento mudou muito, não precisa nem estar do lado do balcão que você está para entender isso. Você percebe essa mudança como consumidor. Como é o atendimento hoje, visto por trás das cortinas? E para onde ele está caminhando?

Paulo Câmara: Muito bacana. Essa cronologia é muito legal de acompanhar também do ponto de vista da tecnologia. Antigamente, há umas duas, três décadas, o atendimento era somente humano. Você ia em uma loja, como você mesmo mencionou, queria trocar algum produto, queria discutir uma renegociação, queria pedir um empréstimo, era sempre uma interação pessoal. Com a tecnologia, a chegada da internet e acesso a dispositivos, seja mobile, seja computadores, começou o boom de oferta de serviços online. A gente tem desde o e-commerce, que começou há um bom tempo, está no tempo de maturação legal dentro do nosso país. As interações em um primeiro momento eram via e-mail. Eu queria discutir alguma coisa que comprei, eu mandava e-mail e aguardava ali, ainda necessitava de uma interação humana, ainda precisava de alguém do outro lado para responder esse e-mail. A gente começou a trabalhar e ver que a tecnologia poderia facilitar algumas dessas interações e criar uma resposta mais rápida ao cliente, seja para uma reclamação, seja para uma simulação ou um pedido. Começou um grande boom de as empresas investirem em automação, a famosa inteligência artificial, bots. Chegou um momento, três, quatro anos atrás, que tudo que a gente via de atendimento era investir fortemente em robôs inteligentes, em chats inteligentes, virou um fascínio, uma corrida do ouro para ver quem chegava primeiro até o bot mais inteligente, a inteligência artificial mais completa. Desviou um pouco do olhar do cliente. É engraçado a gente falar disso porque o atendimento visa atender o cliente. Na busca de uma resposta, da resolução de um problema, a gente se apaixonou pela tecnologia. Começou a ter muita solução, e a experiência do cliente online ficou bem degradada porque tinha muitos robôs, todas as interações eram automatizadas, seja para uma reclamação, seja para uma solicitação, mas a resposta era vaga, não entendia, era uma tentativa e erro por pare do cliente, e isso gerou um estresse muito grande e um atraso na figura do atendimento, porque a gente perdeu um pouco do propósito. Teve uma paixão por tudo que a gente poderia fazer, e a gente esqueceu que a tecnologia serve para resolver um problema. Se a gente não olha para o cliente e entender quais são os problemas dele, aí a gente não vai ter uma boa imagem, um bom atendimento. Depois desse momento, as empresas pararam e viram que não era o mais apropriado. Voltamos a falar como a tecnologia serve ao cliente, como eu consigo de fato utilizar meu arcabouço de tecnologia, toda minha inteligência artificial criada para realizar experiências positivas, experiências que de fato facilitam a vida dessa pessoa, qual problema ela quer resolver. A gente começa a ter uma nova era, a era do conhecimento. É engraçado falar isso, mas é onde a gente percebeu que o atendimento nada mais é que conhecer. Eu preciso conhecer meu cliente, preciso ouvir meu cliente, observar o meu cliente. Somente quando eu tenho propriedade dessas propriedades, quando eu conheço de fato com quem estou interagindo, eu posso propor uma solução para o problema dele, posso ajudá-lo de uma maneira eficiente, então a gente começou um grande trabalho de capitanear informações. As bases de atendimento, de CRM, da própria inteligência artificial, voltaram um passo em uma interação mais humana para que pudessem capitanear os dados de observação, de comportamento, começar a entender quais eram as jornadas que o cliente queria executar para que de fato a gente pudesse voltar com a automação e serviços que fizessem sentido. Um paralelo bem interessante sobre isso é a experiência do aeroporto. Eu costumo dizer que o atendimento é aquela lojinha que fica… quando você entra no aeroporto, você vai em direção ao seu portão de embarque, assim que você passou pelo raio x, tem aquelas lojinhas onde tem uma série de produtos, desde bebidas, brinquedos. Você passa ali um minuto em direção ao seu portão. Esse minuto eles têm para oferecer o máximo de coisas possíveis que te interessem porque você tem que ter rápido, a gente já chega meio atrasado, já quer ficar perto do portão. Eu falo que o atendimento tem que ser essa lojinha. Como o cliente passa por mim no sentido de resolver o problema dele? Nesse um minuto que ele passa, eu consigo trazer uma proposta que vá facilitar o voo dele, seja com um travesseiro para o avião, seja com fone de ouvido ou até mesmo o ajudando a comprar um presente que ele queria dar quando chegar no destino. Como a gente consegue resolver em poucos minutos, entender usa necessidade, entender para onde você está indo e trazer uma proposta de valo que faz sentido? Você fala: “me deixe parar aqui rápido, resolver esse ponto da minha vida”. Nem imaginava que ia resolver esse problema hoje, nem imaginava que ia ser tão fácil, tão simples, tão eficiente. Nossa visão hoje é essa. Eu preciso em poucos segundos entender o meu cliente e trazer uma proposta de valor que faça sentido para a vida ele porque o tempo dele é sagrado e ele precisa ir para algum destino. O destino dele não é ficar reclamando ou querer alguma informação. Isso tem que ser transitório, tem que ser de uma maneira bem mais fluida. Nessa jornada o mais legal é que a gente acabou descobrindo tanta coisa interessante sobre comportamento brasileiro, quando a gente fala de crédito, de cobrança.

Cassio Politi: Mas essa lojinha que você está falando, você vende um serviço que é complicado. A Midway não é a própria Riachuelo, ela viabiliza o negócio dentro da Riachuelo e é muito maior do que isso. A venda do que vocês fazem não é uma bola rolando na Copa do Mundo, não é um ator bebendo Midway, é um desafio um pouco maior porque você está entrando para viabilizar um negócio. 

Paulo Câmara: Tem essas duas frentes. Quando a gente olha a Riachuelo e fala de atendimento, a gente está falando de criar uma solução de e-commerce que está dentro da gente no contexto de tecnologia, o cliente entrar no assistente virtual, ver a informação desde o pedido, onde está, com quem está, se foi aprovado, se já foi enviado, informações de novos produtos, catálogo eletrônico, até mesmo pode fazer uma compra online com entrega em até uma hora. Tem que pensar no atendimento em toda a jornada dele desde a informação que queira entender sobre a Riachuelo até o momento que ele precisa resolver algum problema de algum pedido ou fazer alguma mudança. A gente tenta procurar o máximo possível de soluções para que ele não precisa pegar o telefone, ou para que ele tenha que ir até uma loja para resolver. Isso é o contexto da Riachuelo. Quando a gente olha para a Midway, o outro contexto é de banco. A gente lançou nossa conta digital este ano. Quem não baixou ainda, eu aconselho a baixar nosso app, abrir a conta, fazendo um pouco de jabá. 

Cassio Politi: O site é midway.com.br, e vai achar o app da Midway.

Paulo Câmara: Nas lojas do Google e da Apple. Dentro dessa proposta de serviço, a gente olha para o aspecto financeiro, para as soluções financeiras. Como eu posso ajudar você em um momento delicado, com uma proposta de crédito via empréstimo, seja para realizar algum sonho, ou com oferta de cartões, tanto a parte de bandeirado quanto a parte do private label? Toda uma questão de educação financeira. Quando a gente olha esses dois assistentes virtuais dentro de uma perspectiva única de atendimento, eu tenho que olhar para o meu cliente de maneira fácil, sem criar confusão, como ele pode buscar informações e comprar produtos, roupas, acessórios, toda a parte de fashion, até mesmo resolver problemas financeiros, pagar um boleto, discutir como faz um Pix. Isso tem que ser uma experiência muito fluida e muito simples dentro da jornada. É o grande desafio que a gente tem ali todos os dias, fazer com que a sua passagem pelo nosso canal de atendimento seja a menos traumática possível, que ela consiga resolver o máximo das coisas que você se predispôs ao entrar em contato, e que também consiga agregar serviços que façam sentido para você, desde ofertas, algum programa que identifiquei no seu perfil que faça sentido para você, seja um cashback, uma recarga de celular. 

Cassio Politi: Você ia compartilhar alguns dados. Eu acabei te interrompendo para fazer uma pergunta. Que dados são esses?

Paulo Câmara: Olhando esse ecossistema financeiro, a gente aprende muito sobre comportamento. Eu queria trazer algumas curiosidades para a gente bater um papo, principalmente quando a gente fala de crédito e cobrança, que é um assunto indelicado para muita gente, é um assunto que as pessoas têm às vezes problemas para conversar, depois eu volto nesse tópico. Eu fui atrás de saber por que a gente tem tanta aversão a discutir sobre cobrança, educação financeira e tudo o mais. Um dos dados que mais me despertou a curiosidade, até comentei até com você em alguma conversa particular nossa, foi que em cima dos dados a gente identificou um comportamento muito engraçado, muito diferente e que gerou uma curiosidade enorme sobre dados. A gente olhou que as pessoas que compravam roupa íntima durante a madrugada, durante a semana, tinham uma chance muito maior de se tornarem inadimplentes do que as pessoas que faziam essas mesmas aquisições de roupa íntima no sábado, período da tarde. Isso despertou uma curiosidade de existir alguma relação, se foi só coincidência, existe algum comportamento que explique. Foi muito evidente quando a gente fez essa avaliação entre o varejo…

Cassio Politi: …o dado não deixava dúvida.

Paulo Câmara: Não deixava dúvida. Vamos pesquisar um pouco mais. A gente viu que isso é uma recorrência e começou a analisar os dados. A gente percebeu que a compra de um item tão essencial quanto uma roupa íntima em madrugada, durante a semana, mostra uma certa falta de planejamento pessoal. “Eu preciso comprar uma calcinha uma cueca, às três horas da manhã de uma segunda, de uma terça”. É provavelmente o momento que você foi olhar e não tinha, ia sair para algum outro lugar e não tinha, bateu aquele desespero e você foi correr atrás disso. Só pode ser. É só uma suspeita, teria que perguntar individualmente para a pessoa. É diferente de uma pessoa que para durante o final de semana, olha com calma, pesquisa durante a tarde, faz suas compras ali, o que mostra que é uma pessoa que separou um tempo para fazer esse tipo de aquisição. Como isso reflete na vida financeira? É o mesmo comportamento. A gente observa que as pessoas mantêm um comportamento financeiro da mesma maneira que elas mantêm na vida, no dia a dia. A falta de planejamento para um assunto ou esquecimento, esse desespero se reflete na hora de pagar contas. Você esquece, tem uma tendência muito maior. Se você não é uma pessoa organizada, esquece o dia em que a fatura vence, não se planejar para pagar naquele dia, você acaba entrando em um período de inadimplência e de juros muito por causa dessa falta de planejamento. Foi o nosso grande desafio. Como eu começo a ajudar nossos clientes a entender o comportamento deles, a chance que ele tem de se tornar inadimplente? Como eu começo a tratar diferente esses casos? Para isso, a gente teve que fazer uma procura, uma busca dentro dos nossos dados, começar a olhar mais o mercado para entender muito da questão do comportamento para trazer uma experiência de atendimento eficiente. Quando a gente olha um cenário pré-pandemia… na pandemia aumentou bastante. A gente tinha 61 milhões de devedores. No nosso país, a gente tem 200 milhões de pessoas, 61 milhões são inadimplentes. Isso com certeza na pandemia aumentou bastante. A dívida média é de 3 mil 544 reais. É um mercado de 216 bilhões. É muito dinheiro no Brasil. Tem muito dinheiro circulando, ou não circulando, mas ocorrem juros e todos os processos e gera um trauma na vida dos nossos clientes. Beleza, tem esse cenário, é muita gente que deve, é muita gente que entra em um processo de inadimplência, mas são todos iguais? Eu devo cobrar essas pessoas da mesma maneira? A cobrança tradicional não mudou, continua, é aquele processo de como fazer alguém pagar. Eu vou ligar, vou encher o saco dessa pessoa até ela não aguentar mais e pagar. Eu vou encher o saco não somente com ligações, mas vou colocar o nome dessa pessoa em protesto, vou fazer o máximo de alarde e ligar para quem for até constranger, para que essa pessoa apague. Isso é o que foi abordado no Brasil por muitos anos e ainda continua em muitos lugares. Tem como ser diferente, não é todo mundo que vai funcionar, ou esse não é o tratamento que a gente quer dar para os nossos clientes. Tem pessoas que estão comigo, ainda mais quando olho o meu cenário de varejo, há mais de 20 anos, elas nunca foram inadimplentes. Por que na primeira vez delas eu colocaria a vida delas em um verdadeiro inferno? Essa foi a provocação que a gente fez. A gente foi começar a olhar esses dados, dividir esses grupos para que a gente pudesse trabalhar com contexto, providenciar um atendimento e uma proposta de crédito, uma proposta de recuperação que seja humanizada. A gente viu quatro grandes comportamentos e quatro grandes tipos de personalidade que a gente tem no Brasil hoje, quando a gente fala de cobrança. 

Cassio Politi: São quatro perfis dos inadimplentes.

Paulo Câmara: Inadimplentes. O primeiro perfil é o devedor negligente. Esse tipo é muito comum. Por quê? Ele é uma pessoa que não tem uma vida financeira organizada, ele deixa de pagar as contas porque esquece, porque faz confusão de datas, é simplesmente o cara desorganizado. Para essa pessoa, eu preciso ajudá-lo nessa organização. Ele não vai deixar de pagar porque quer me dar o golpe, porque não vai pagar mesmo, porque não tem dinheiro. É que ele se esqueceu, não se planejou para isso. Para trabalhar com esse tipo de pessoa, eu tenho que ajudar muito mais nessa organização. Como eu posso já avisar, saber que o Cassio vai se encaixar dentro desse perfil? Lembrando que daqui a dez dias vai vencer sua fatura. Começo a trabalhar com você porque você se planeja para esse evento. Dentro de uma jornada que seja adequada para você, eu vou te lembrando os momentos que fazem sentido. Não faz sentido mandar uma mensagem no meio do trânsito, no momento que você está iniciando seu dia de trabalho e precisa resolver um monte de coisa. Eu tenho que conseguir encaixar essa mensagem de uma maneira para agendar no banco o pagamento, separar o dinheiro. Esse foi o primeiro perfil, o devedor negligente, a gente chama de DN. A gente tem o MP, o mau pagador, é o tipo mais difícil de devedor apontado.

Cassio Politi: É mau pagador em que sentido?

Paulo Câmara: É um perfil que está acostumado a cobranças. Provavelmente já é inadimplente em vários outros momentos da vida. 

Cassio Politi: Todo mundo tem um parente assim. Vai dar um migué no rateio do churrasco. 

Paulo Câmara: Ele não está preocupado. Se ele tiver a oportunidade de adquirir alguma coisa sem ter que fazer nenhum dispêndio financeiro, o limite que derem para ele, ele vai pegar, mas não está nem aí para pagar. Esse é o perfil mais difícil quando a gente fala de cobrança. Essa pessoa que a gente deveria falar que não é o momento dar crédito, vou te ajudar de outras maneiras, que tal começar a fazer outros tipos de ação? Mas deixar ele entrar em um processo de crédito comigo para depois tentar recuperar, vai ser uma dor de cabeça terrível, vai ser mais prejuízo para a organização da empresa. A gente falou do DN, o negligente, o mau pagador, tem o devedor ocasional. Este é aquele exemplo da dona Maria. Imagine que a dona Maria nunca falhou em nada. Vida financeira organizada, ela sabe certo as contas, os boletos. Para ela, seu nome é a coisa mais importante do mundo. Por alguma situação de saúde, ou demissão, ela não conseguiu pagar alguma oferta, seja de empréstimo, deu ruim. Essa pessoa é a que mais vai ficar sentida com a cobrança. Isso não faz parte do dia dela. É muito importante para ela estar com as finanças organizadas. Saber que entrou em inadimplência é um impacto, é uma dor terrível para ela. É o cliente que vai se sentir humilhado, injustiçado ao ser cobrado porque ele é o maior interessado em resolver a situação. Esse é o cliente que eu quero identificar com uma certa antecedência, olhar o comportamento dele. Eu não vou chegar cobrando, ligando, vou tentar entender a situação dele, vou tentar encaixar alguma prorrogação para ajudar ele a se equilibrar financeiramente, porque ele é heavy user, é um cara que sempre vai contar com meus serviços e ele quer que, na hora que ele precisar, eu esteja lá por ele também. É um cliente com quem tenho que ter um cuidado muito especial. Eu não posso deixá-lo entrar em um fluxo de cobrança normal, tradicional. O último perfil é um perfil que acho particularmente meio engraçado, é o devedor viciado, a famosa pessoa que tem compulsão por compras. Ele é o menos problemático dos quatro. Ele geralmente não tem problemas financeiros, não é igual ao mau pagador. Ele tem dinheiro, mas inconscientemente ele acaba atrasando os pagamentos. Ele compra muita coisa, perde o controle de tudo que ele comprou. Ele tem 50, 60 produtos, tem várias aquisições naquele período e não lembra o que combinou de pagar tal dia, ou às vezes chegam três faturas no mesmo dia, ele tem dinheiro para pagar duas, mas no outro dia ele vai ter. Ele é o cara que vai estar sempre ali trabalhando nas primeiras margens de juros. Ele vai pagar dentro dos dez primeiros dias, mas sempre vai atrasar um pouco. Nesse perfil, o que ele precisa? Qual é o maior interesse dele? É ter uma educação financeira a ponto de ajudá-lo a não gastar por impulso. A maior parte dos gastos dele é por impulso. Tendo a oportunidade, ele vai lá e gasta, depois não se planeja para fazer o pagamento dessa aquisição ou serviço. Eu gosto muito desse assunto. Espero que não esteja sendo chato.

Cassio Politi: Não está, está interessantíssimo. Vamos lá. 

Paulo Câmara: O devedor ocasional, que é a dona Maria, tem um perfil traçado, uma persona. É uma pessoa entre 41 e 51 anos de idade, então você vê que são pessoas que prezaram a vida inteira por um comportamento correto, o nome no Brasil sempre foi um dos grandes ativos, é quase que uma questão de dignidade. Quando a gente fala desse público de 41 a 51, quanto representa? Hoje representa em torno de 195 a 20% da população brasileira devedora. Quando surgiu a primeira avaliação do Brasil Econômico, que olhou o tíquete médio de inadimplência dessas pessoas, era o valor de 937 reais, que era exatamente o valor de um salário-mínimo. Ou seja, era justamente o caso de a pessoa perder o emprego ou ter algum problema que impossibilitava ela de arcar com o pagamento do mês. Ela provavelmente não tem um poder aquisitivo de ter uma reserva financeira muito grande, mas ela sempre prezou com o dinheiro que vinha certo. A partir do momento que ela não tem mais esse dinheiro, que aconteceu algum imprevisto, ela se tornou inadimplente. Mas é um valor muito baixo quando a gente compara, por exemplo, com a dívida média de todas as pessoas, que giram em torno de 3 mil e 500 reais. Para essas pessoas, há possibilidade de a gente poder trabalhar com atendimento diferenciado, desde uma taxa de juros que faça sentido a um valor mínimo que caiba dentro do que ela pode arcar nesse novo momento de vida. Dentro desses dados que a gente vem trabalhando, dentro do nosso processo de machine learning, a gente tem tentado tratar cada pessoa dentro do seu contexto, e isso é nosso maior desafio no atendimento, voltando às perguntas iniciais. Como os dados me levam a acreditam qual comportamento…

Cassio Politi: …é isso que eu ia te perguntar. Aplica tecnologia nesse caso, não é? Ela está em seu favor para se antecipar a esses perfis de inadimplência? Como a tecnologia ajuda nesse ponto específico? Se ela resolvesse o problema, não haveria mais inadimplência. Acho que o propósito não é exatamente resolver o problema, é permitir lidar com o problema. Como a tecnologia faz isso?

Paulo Câmara: Perfeito. É isso que é nosso trabalho de fato. Quando eu falo de serviços financeiros ou qualquer pagamento a prestação que envolva crédito, eu consigo ter seu comportamento. Se eu te emprestei em dez vezes, durante essas dez vezes você vai ter manifestado um comportamento muito parecido nas parcelas. Se você é uma pessoa desorganizada, dessas dez parcelas você pagou várias vezes fora da data, mas pagou. Eu vi que você pagou sete parcelas, a partir da sétima você parou de pagar. Eu consigo entender que ali houve um problema. Quando eu olho e vejo que é a última compra e vejo que você é um cliente que provavelmente trafegou nos meus dados, trafegou fazendo aquisições dos meus produtos na loja ou até mesmo em outros momentos de serviços financeiros, eu consigo comparar base histórica. Eu tenho esses dados aqui do Cassio nas últimas dez prestações, qual foi o comportamento que ele teve. Tive mais alguma compra de Cassio parcelada? Tive. Qual foi o comportamento? Foi similar? Então tem um contexto que vai provavelmente acontecer novamente. Eu posso começar a atuar, gerando insights ou campanhas para te ajudar na organização. A gente fala muito de crédito no Brasil hoje. O grande ponto é te ajudar a ter uma educação financeira que te ajude. Não vai ser 100%, como você falou, mas vai reduzir os dados de um problema eventual, de uma possível perda de emprego, de um problema de saúde ou qualquer imprevisto que a vida vai trazer.

Cassio Politi: Mas protege também o negócio. O pouco que conheço de banco, não estou falando especificamente de vocês, mas já conversei com outros, já trabalhei com outros bancos. Protege a instituição também. Vamos tomar a visão madura aqui. O banco está emprestado o dinheiro dele. Ele é uma instituição privada, tem que ter retorno sobre aquilo. Não sei se é o caso, mas vai desde não dar o crédito a essa pessoa porque o risco é alto, até o risco moderado, eu cobro mais juros. Tem essa finalidade também quando você trabalha com dados? Ou ela é realmente só educativa?

Paulo Câmara: Para o cliente ela tende a ser educativa na organização. Para a empresa, ela rege todas as políticas. A gente tem motores de crédito, motores de cobrança, motores de empréstimo. Toda a parte de core bancário, serviços financeiros, vai trabalhar em cima de comportamento. Quando eu crio uma política de crédito, uma política de risco, eu vou avaliar exatamente qual é a chance de tal pessoa entrar em inadimplência. Quanto maior o risco, menor o meu retorno naquele dinheiro e menor a minha disponibilidade de crédito. Às vezes acontece um erro muito grande das pessoas: “estou vendo que tal banco está dando dinheiro para negativados”. Essa é uma das grandes procuras. Geralmente eu procuro crédito no momento que eu preciso. Como evitar as pegadinhas? Como você falou, existe um cálculo onde a instituição precisa gerar receita, independente se a instituição vai querer gerar mais ou menos receita com juros, ela vai fazer uma conta básica do percentual de inadimplência. Quanto maior o risco, menos interessante é para essa empresa trabalhar com você. Só que tem algumas empresas que estão adquirindo base. O que acontece? Ela prefere assumir o risco de inadimplência para que você vire uma pessoa na carteira ativa dela. Isso quer dizer que muito provavelmente que essa empresa vai entrar em um processo de IPO ou vai entrar em um processo de venda ou está querendo alavancar algum indicador para trazer investimento. Elas abrem um pouco as porteiras do crédito para trazer base de clientes, para que elas possam angariar esse dinheiro de outro lugar. Ele vai voltar para ela, ninguém faz uma doação. Mas o que a gente sempre pode tomar cuidado é olhar dentro das opções a que faz mais sentido em termos de proposta de valor para minha vida. Quando eu olho juros, começar a entender o que é a taxa efetiva, o que cada um está colocando na mesa, o que vai acontecer quando eu me tornar inadimplente, vai ajudar o cliente a tomar melhores decisões de crédito. Para mim, a tecnologia vai facilitar em dois momentos. Eu trabalho nas duas pontas, com cliente e com o motor que vai criar as políticas de crédito. Quando eu olho políticas de crédito, eu vou falar assim: “como eu posso ter a melhor rentabilidade?”. Ou seja, garantir que o máximo de dinheiro que eu coloque na mesa, eu tenha esse retorno sobre ele. O cenário ideal, que a gente sabe que não acontece, seria 100% do que eu emprestar, eu recebo de volta. Como eu posso deixar meus indicadores mais próximos disso? Que tipos de perfis eu tenho que considerar para aceitar qual é o limite de crédito que eu vou dar para cada um desses perfis? Uma coisa que a gente tem muito utilizado na tecnologia é a resposta ao mercado. Minhas políticas de crédito têm que ser sempre atualizadas com base no dia corrente. Se aconteceu algum evento, uma mudança política, um cenário de votação, de mudança de um presidente, como vai acontecer ano que vem, provavelmente por margem histórica do que a gente tem no sistema, o número de inadimplentes vai aumentar porque existe um excesso de confiança ou em tal frente. Se essa frente não ganhar, essas pessoas vão ter se comprometido com coisas que não podem arcar. Então eu tenho que ali com uma política 100% afinada com o momento. Ao mesmo tempo eu tenho que entender qual é a motivação do meu cliente. Imagine que você está em uma loja, você quer fazer a aquisição de uma camiseta. A camiseta custa 100 reais. Você tem um cartão de crédito que te deu o limite de 95 reais. No que esses 95 reais vão se ajudar se a camisa custa 100 e você não tem o dinheiro? Para o banco, para a instituição, para a loja, esses cinco reais fariam diferença? Para o cliente faz toda a diferença. Para a instituição, não. Mas ela precisa ter um teto. Como ela vai trabalhar com variável, como ela vai entender as motivações? Em muitos casos é preferível eu não te dar um limite do que te dar um valor baixo que não serve para nada. É muito mais fácil eu te orientar: “cara, como você vai ter um limite de cartão de crédito melhor que faz sentido para sua vida?”. Você no Twitter hoje as reclamações de cartão de crédito. Muitas empresas dão o limite de 10, 15 reais, isso gera frustação, ter um cartão de crédito que você não pode utilizar. Cara, eu não vou te dar o crédito, mas vou te ajudar a ter. O que você gostaria de adquirir? É uma casa? Tem alguma proposta de serviço que eu posso fazer com você? Eu posso fazer algum empréstimo. Como eu posso te auxiliar nessa etapa. Mas eu vou crescer junto com você. Isso faz muito sentido em um atendimento humanizado. Eu não quero ganhar de você uma vez só. Eu entendo que eu vou ganhar muito de uma pessoa só, desde que você ganhe muito dinheiro comigo. Com a gente pode unir forças? Esses têm sido os paradigmas do atendimento quando a gente fala da perspectiva de treino. Isso não é fácil. Tudo que a gente está conversando é muito difícil de fazer, e a tecnologia tem sido extremamente importante para que a gente possa vencer alguns medos, para que a gente possa chegar em uma mesa diretora, não necessariamente falando da Midway. Essa base de clientes eles vão cumprir. Vamos fechar com eles. Vamos fazer isso diferente. Historicamente todos os registos mostram que esse cliente vai pagar, pode atrasar, mas em algum momento eu vou quitar a dívida dele, não vai ser tornar um churning, ou ele vai adquirir mais serviços. A gente traz essa informação para a mesa, ajuda a tomar decisões melhores para os clientes, e na ponta a gente tenta absorver o máximo das emoções. É uma brincadeira que todo mundo fala, todo cara de TI que trabalha com atendimento tem que ser um pouco psicólogo porque a gente escuta muito. Um dos processos que a gente faz com frequência é ir no contact center e fazer escuta ativa, entender de fato quais são os problemas. Uma coisa muito legal é que a gente vê que muitos clientes ligam para falar, para conversar, para ter uma interação humana, não para necessariamente resolver um problema. Como eu posso ser esse ouvido trazer para o meu cliente um conforto, trazer essa relação de que tem gente aqui que também é humano, não é só robô. Para resolver, tem vários serviços, tudo a alguns cliques. Se você quiser conversar, bater um papo, como separar um tempo, uma parte de serviço para que ele faça esse atendimento mais humanizado no ponto de vista de ser companheiro, de prover, quais tendências eu deveria trazer para que o meu cliente se sinta ouvido, para que ele possa repensar? Discutir um ponto e depois dizem que essa é a regra, o script, não tenho flexibilidade, o sistema não permite, são as piores respostas quando você liga para alguma URA, para algum serviço. Você quer ouvir. Como a gente cria flexibilidade para o atendente na ponta? Eu vou olhar aqui, senhora, dá para a gente fazer isso, não vou te transferir, eu vou ligar novamente para trazer essa informação para você. São muitos compromissos que a gente tem que ter controles gigantescos, a gente faz isso através do nosso CRM, nossas plataformas de mensagem, de controle, para que a gente garanta que nenhum cliente passa a ser esquecido. Esse é o nosso desafio para 2022.

Cassio Politi: Muito legal. Quero te agradecer muito pelo seu tempo, pela sua conversa. Você é um entusiasta disso tudo que você vivencia, e as empresas precisam de gestores assim, que gostam muito do que fazem. Você é um grande entusiasta, dá pra ver pela forma como você fala e pelo seu grande de conhecimento. Sorte da Riachuelo, da Midway, que tem você como um dos líderes. Obrigado pelo bate-papo.

Paulo Câmara: Foi um grande prazer. Espero estar aqui com você conversando sobre outros assuntos. Foi uma grande honra para mim. Espero que tenha sido um papo bem produtivo para você e para nossos amigos que vão ouvir também. 

Cassio Politi: Vamos chegando ao final do Think Tech de hoje. Sara, eu acho que vou dar uma olhada na minha gaveta de roupas íntimas para ver se tem cueca e meia para a semana inteira, senão vou achar que sou inadimplente. Brincadeiras à parte, o Paulo mostrou muitos exemplos legais do uso de dados a favor do negócio. 

Sara: Você e o Paulo mencionaram um dado que eu vou aprofundar aqui. Segundo a Serasa, hoje no Brasil existem mais de 60 milhões de pessoas inadimplentes. Os dados são de 2021. Isso corresponde a mais ou menos 29% de toda a população brasileira. 

Cassio Politi: Pois é, Sara, é muita gente. Mas tem remédio para isso.

Sara: Não existe uma resposta fácil para essa pergunta, mas controle, educação financeira pode ser boa saída para esse problema. 

Cassio Politi: Faz todo o sentido. Aliás educação financeira está chegando ao currículo escolar de forma oficial. Só que isso é tema para outro podcast. Até a próxima. 


E aí, gostaram? Fique ligado que toda quinta-feira temos um episódio novo. Escolha onde acompanhar:

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