Cassio Politi: O Think Tech está no ar. Meu nome é Cassio Politi e, junto com a Algar Tech, nós vamos embarcar nessa jornada de repensar possibilidades. No episódio de hoje, quero fazer aqui uma imersão no uso de dados para customer experience, o famoso CX. Comigo está sempre minha companheira muito especial, a Sara, que é especialista virtual em negócios da Algar Tech. Sara, é muito bom contar com você, especialmente em um dia como hoje, em que a gente vai falar de dados. Afinal, dados são um assunto tranquilo para você e para sua inteligência artificial, não é?
Sara: Oi, Cassio. É um prazer participar novamente do Think Tech. Sim, dados são uma parte importante do mundo digital. Afinal, o volume de dados que circula no mundo é enorme. Para você ter uma ideia, em 2020 foram gerados 40 trilhões de gigabytes de dados, segundo o Instituto Gartner. Isso significa quase dois terabytes de dados por minuto.
Cassio Politi: É a era dos dados, como mostrou a Sara. É por isso que o tema de hoje é tão importante, porque a gente vai falar de como usar esses dados a favor dos negócios. Para o bate de hoje, eu tenho a satisfação de receber aqui no podcast a Mariana de Marchi, que é professora de MBA da SEDA, que é uma empresa gigante na sua atuação como empresa de educação executiva, tem diversos MBAs, tem 14 sub empresas abaixo de si, e a Mari cuida de algumas disciplinas muito ligadas à experiência dela, que inclui passagem por algumas empresas, a mais recente delas é a Qualicorp, onde a Mari foi head de CX. Agora está dedicada não só às atividades como professora, mas também a uma nova velha vida, está de volta ao Canadá, está de volta a Toronto, está morando em um país muito bacana, muito desenvolvido. Que prazer tê-la aqui. Obrigado por aceitar o convite.
Mariana de Marchi: O prazer é todo meu, Cassio. Muito obrigada pelo convite, pela indicação também do time Amigos do CX, eles são amigões, parceiros, e a gente tem que estar junto. Gosto muito de falar sobre o tema. Você falou que eu dou aula na SEDA dos temas com que estou mais habituada, que são normalmente cultura e estratégia de CX. Mas é muito legal a gente sempre trazer isso para o contexto mais atual, falar de tecnologia e como isso funciona em uma empresa que tem essa orientação cultural de CX.
Cassio Politi: Tem tenta coisa para explorar que a gente criou um podcast só para isso, e com muito prazer a gente a recebe nele. Você dá aula, é professora, além de executiva, além de uma pessoa de mercado, você tem essa veia acadêmica. Eu vou roubar aqui um pouco do seu conteúdo. Aliás, conteúdo é para isso, a gente ensina para espalharem por aí. Você fala muito da coisa da era do cliente, em que a gente está há uns dez anos, um pouco mais, vivendo a era do cliente, depois de termos passado pela era da manufatura, mais ou menos na Revolução Industrial, talvez como uma consequência da Revolução Industrial, 1900, por aí. Década de 60, era da distribuição, que é fácil de entender quando você fala isso, que é quando você deixa o mercado local, você deixa o comércio mais regional para partir para o comércio nacional e internacional. Chegam os anos 90, a era da informação. Agora vira a era do cliente nos últimos dez anos. Para onde a gente vai depois disso?
Mariana de Marchi: Eu sempre digo para os meus alunos que as eras estão passando cada vez mais rápido, e que a gente já ultrapassou a era do cliente. Na realidade, a gente está vivendo o que eu chamo de data-driven customer era, a era do cliente com foco em dados. O que é isso? As empresas vão se diferenciar à medida que elas souberem utilizar os dados dos seus clientes em prol de construir uma experiência proativa e preditiva, ou seja, saberem quem são seus clientes, o que eles querem, precisam, e serem assertivos e acertarem ao propor para o cliente. Como eu gosto de falar, todo relacionamento entre cliente e marca é como um relacionamento entre duas pessoas. Você constrói no dia a dia com confiança, com tolerância, com transparência, com respeito e com trocas. Você está investindo tempo, investindo dinheiro, momentos, decisões, e está se abrindo a essa outra parte do relacionamento para que essa pessoa, no caso a marca, o conheça, conheça seus hábitos, conheça o que você gosta. A gente está deixando um grande pedaço da nossa privacidade, coisa que às vezes até as pessoas que convivem com a gente não sabem, mas que a marca tem oportunidade de saber, o quanto a gente gosta de consumir o produto ou serviço, com qual frequência, qual é nossa elasticidade de preço, o que a gente faz com aquilo, quais são os modos que a gente gosta de consumir aquilo. As empresas que começarem a entender, que souberem quem são seus clientes, que tomarem as decisões com a visão e os olhos desses clientes, calçando os sapatos desses clientes, em vez de ter uma visão afunilada, uma visão muito de dentro para fora, em vez de uma visão do cliente de fora para dentro, e que souberem usar esses dados, usar essas informações de forma segura, prática, assertiva e proativa e preditiva, são as empresas que vão se destacar porque vão ter a oportunidade de se diferenciar, estar um passo à frente, dizendo aos clientes: “eu sei que você gosta disso. Que tal aquilo?”; e o cliente vai se sentir privilegiado porque tempo é dinheiro. Hoje em dia a gente quer tomar menos decisões, ainda mais na geração atual que a gente tem. A gente quer tomar menos decisões, quer que as coisas estejam prontas para o consumo, quer que seja uma experiência ágil, simples, eficiente, eficaz, e a gente precisa que as marcas nos proporcionem isso seamlessly, sem rupturas. Para isso, você precisa conhecer seu cliente, usar os dados com proteção, segurança, privacidade, confiança digital, e saber exatamente quem é seu cliente, o que ele precisa.
Cassio Politi: Você falando isso, eu fico pensando aqui — tem um certo atrito, uma certa fricção ali. Você colocou na mesma conversa o uso dos dados e a privacidade. Precisa hoje de um pouco de jogo de cintura e conhecimento e ciência por trás disso. Mas cria um conflito ali de operação. A gente está vendo isso acontecer. Não sei como está aí no Canadá, mas você é muito ligada no mercado brasileiro, que ainda é o seu mercado ainda, embora você não esteja fisicamente nele. A gente tem a GLPD tentando dar os primeiros passos. Como faz para trabalhar essas duas conversas, esses dois temas na mesma conversa?
Mariana de Marchi: Eu acho que o ponto é a gente desdobrar o que é eficiente para o cliente, o que é eficaz para o cliente, o que é confiável para o cliente, em termos de usar os dados desse cliente. Tem uma pesquisa da Privitar recente que diz que 40% do que gera lealdade à marca é confiança. 40% estão em confiança, trustworthiness, e 30%, em comprometimento com a proteção de dados, ou seja, 70% basicamente são sobre confiança digital, os outros 30% são serviço. É muito doido porque a gente precisa lembrar que o cliente tem uma disponibilidade, uma disposição de compartilhar dados e às vezes até pagar mais para marcas em que ele vai ter mais segurança de que seus dados não vão ser vazados. Eu parto sempre do princípio: pergunte. A gente está falando aqui de dados gerais, mas cada cliente, cada perfil, cada persona vai ter uma característica diferente, vai ser um nicho diferente. A gente precisa compreender sempre. Não é fazer uma pesquisa e perguntar, é ter o hábito. Na Quali eu também era responsável pelas áreas de UX e customer insights, sendo a tríada perfeita para mim. Como eu desenhava jornada sob o ponto de vista de CX, como isso se tangibilizava em UX nos pontos de uso de canais, pontos de canais, produtos e serviços, e o customer insights munindo as duas áreas de informação de forma frequente e recorrente para a gente saber o que isso estava provocando de efeito para os clientes. Você precisa ter uma estratégia de conhecer o seu cliente de forma constante, consistente e com constância, que são três palavras diferente, cada uma tendo sua característica. Você precisa ser muito constante, não pode ter picos e vales: “agora eu vou perguntar o que o cliente quer”; “agora eu não me importo”. Você precisa ser muito constante, fazer isso pouco a pouco, construir esse hábito de olhar para a voz do cliente na sua tomada de decisão. Você precisa ser consistente de fazer isso com bastante sabedoria, consistência, construindo pouco a pouco. Você precisa ser muito coeso, precisa ter uma estratégia orientada a isso, construindo isso pouco a pouco. Quando a gente fala de entregar uma experiência pensando na privacidade, é óbvio que a primeira coisa que a gente quer eliminar é burocracia. O cliente também que lidar com agilidade, com simplicidade, com facilidade. A partir do momento que a privacidade torna-se um empecilho para uma jornada tranquila, ela já não é mais eficiente, não é mais eficaz e não é faz mais o propósito dela, e você só vai saber disso se tiver um monitoramento constante da qualidade dessa relação com seu cliente nos pontos de contato, desde o início da relação, desde quando ele conhece a marca, não é só no atendimento, não é só no pós-venda, é entender e estrategizar quem é esse cliente, o que ele precisa em cada momento e ser aberto à escuta. Uma coisa que eu acho que as marcas não fazem bem quando vão construir essas experiências antifraude ou de proteção de dados… eu falo isso porque agora a gente tem a LGPD no Brasil, mas eu trabalhei desde 2015 com a GDPR. Eu trabalhava em uma empresa europeia, e a gente lidava desde aquele momento, há quase sete anos, com a GDPR. Então é um desafio que eu venho tendo há bastante tempo. Estou até acostumada. O pessoal fala: “a LGPD é tão difícil” “é porque vocês não começaram com a GDPR alguns anos atrás”. Tem quase sete anos, e dizem que sete é o número da sorte. Na verdade, o que eu mais vejo acontecer de errado ou que fura uma estratégia de uma companhia é quando essa empresa, essa marca vai desenhar uma experiência e, primeiro, ela tem uma visão de dentro para fora do que é seguro para a empresa, mais preocupada com o que um vazamento de informação pode causar de risco para a empresa, então ela tem uma visão, além de em silos, que é muito clássica, muito de “eu acho”, “eu acredito”, “na minha visão”, ao invés de pensar no cliente e colocá-lo em pauta para tomar essa decisão e ouvir o cliente para tomar essa decisão. Em segundo lugar, não se pensa no processo. Não adianta desenhar uma jornada incrível se você não em processos bons que suportam essa jornada. A jornada, para ser incrível, precisa de processos que a suportem, e os processos precisam de tecnologia. É um guarda-chuva que funciona assim. Começa na base com as pessoas e a cultura, depois passa pela tecnologia e ferramentas que você tem para executar esses trabalhos, os processos que a gente refina e acredita que vão construir uma boa jornada, aí isso culmina em uma jornada ideal, em uma jornada sem atrito para o seu cliente. A contradição está em às vezes as empresas se esquecerem do componente cliente nesse meio do caminho porque acreditam que conhecem e sabem qual é a melhor decisão a ser tomada, com base em percepções muito enviesadas da sua parte do processo ou do que é eficiente para si ou do que elas acreditam, sem validar com o cliente em nenhum momento, do que é o correto e do que faz sentido para a marca e para a companhia. E tem que ter uma outra coisa por último, flexibilidade e visão de longo prazo. A gente tem que ter muita flexibilidade de entender que o que a gente acredita que seja bom hoje pode não ser amanhã. Os processos, as tecnologias, as culturas, isso vai mudando, e a gente precisa se adaptar. 100 anos atrás, a gente estava na era da manufatura. Hoje a gente está em uma área que eu chamo de data-driven customer era. A gente muda e tem que saber que nossos diferenciais competitivos e que nossas estratégias vão mudar ao longo do tempo também. Eu preciso trazer a privacidade para essa discussão. Se antes a privacidade era ter uma senha com X caracteres e hoje é reconhecimento facial, reconhecimento de caracteres, tirar foto com RG no aplicativo, fazer algum tipo de segunda validação, são coisas que foram mudando ao longo do caminho, e a gente precisa ter abertura o quanto antes para novas coisas e sempre testar, ter ciclos iterativos de testes coletando feedback do cliente para validar se o caminho é esse, se para aquelas personas isso funciona.
Cassio Politi: Faz todo o sentido. É muito fácil acompanhar o seu raciocínio. Sua conclusão no final remete de volta ao início, a confiança. Nesse processo todo, o que me parece é que a cultura toda que está pegando no mercado é de tomar a decisão com base em dados. Por que eu quero tanto os dados dos meus clientes? Não é para ficar mandando mais spam para ele. Isso não funciona mais, é um tiro no pé. Você quer dados de qualidade, dados precisos, para tomar uma decisão de negócios, uma decisão de marketing, uma decisão de jornada, qualquer que seja a decisão muito ligada aos negócios. Eu queria lhe perguntar — você hoje faz consultoria, dá aula para muita gente. Quanto já pegou essa cultura da decisão orientada a dados? Já que você está falando do cliente orientado a dados, eu queria entender o quanto já pegou a decisão orientada a dados? Quanto as empresas já estão tomando decisão com base em dados? Não precisa me dar um número, eu queria a percepção da Mari sobre isso.
Mariana de Marchi: Muito pouco. Eu digo isso de uma perspectiva de quem já trabalhou em empresas de diferentes tipologias. Já trabalhei em empresa pequena, em startup, em fintech, em empresa brasileira bem consolidada, com mais de 20 anos de tradição e a maior do mercado, já trabalhei com multinacional, consultoria, banco, corretora. São perfis diferentes e eu encontro o mesmo desafio. Não é ter dados. O dado existe. Se você tem a padaria do Zé da Esquina e ele consolida a venda do dia em um pedaço de papel de pão, é dado. Dado existe.
Cassio Politi: Se usar tabelinha, virou banco de dados.
Mariana de Marchi: Tem duas coisas que as empresas têm e que às vezes que elas não têm, mas todas têm, que é feedback de cliente e dados. Todas, absolutamente todas. Você pode ter uma empresa de uma pessoa. Se ela prestar serviço ou vender produto, ela vai ter um feedback de cliente, positivo, negativo, neutro, mas vai ter. Se for uma reação facial, já é um feedback do cliente. Essas duas coisas inevitavelmente todas as companhias têm. O ponto é o que elas fazem com isso. Confiança digital, pela definição, é a confiança em uma organização para coletar, armazenar e usar a informação dos seus clientes, a informação das suas pessoas, internas ou externas, de uma maneira que beneficie, proteja e gere valor a quem essa informação pertence. Por que estou falando isso? Hoje, depois de 18 anos de carreira, eu vejo que todos os lugares por que passei tinham a mesma dificuldade, sistemas legados em que os dados não conversam… na verdade, não é nem o sistema, para a gente não culpar os sistemas, coitados, eles são sempre os culpados nos bate-papos. Acho que é uma questão, primeiro, de definição de dados. As pessoas já pecam aí. As discussões, os negócios já pecam aí. A gente vê que existe uma dificuldade muito forte em homogeneizar conceitos de dados nas empresas. É uma discussão muito tradicional, muito clássica: “qual é sua base de dados ativa de clientes?”. Você vai perguntar em cada área da companhia, e cada área vai dizer uma porque não sabe exatamente o que quer dizer ativa. Estou exemplificando. Claro, não tem só isso. Primeiro, qual é o conceito. Segundo, quanto a gente capacita nossas pessoas para saberem… não é para saberem mexer na ferramenta de data visualization, na ferramenta de visualização de dados mais potente, não precisa ter todo mundo mexendo em um Power BI, em um QlikView. Eu não preciso, eu preciso que as pessoas saibam interpretar dados, e os negócios às vezes fazem essa polarização de tech versus negócio. Ou você é muito tech e muito orientado a dados, é o cara que depurar e construir uma visualização de dados, ou é aquela pessoa de negócio que sabe tomar decisão. Só que tem o meio do caminho, a pessoa que faz essa ponte, ou são os perfis que fazem essa ponte e que estão em falta no mercado, que são as pessoas que sabem transformar uma coisa em outra e sabem fazer essa conversa fluir dos dois lados. Olhar para os dados e saber traduzir isso em negócio e olhar para o negócio e saber traduzir isso em dados, para que todo mundo tenha a mesma visão, para que todo mundo tenha a mesma consciência, para que todo mundo esteja olhando para a mesma informação e, a partir dessa mesma informação, ter uma discussão que vai gerar uma tomada de decisão. Essas são dificuldades que as empresas só vão conseguir vencer se elas quiserem fazer investimento, se elas souberem que dados hoje são a principal fonte de confiança e lealdade que o cliente tem com sua marca. Ele está depositando a confiança digital dele de que não só os dados vão ser protegidos, mas que a gente vai gerar valor com esses dados. É aí que está a pegadinha. A gente pode ser muito bom em guardar esses dados. A gente pode ser blindado, pode ter um monte de proteções, tecnologicamente falando, mas, se a gente não gera valor com esses dados, o cliente também não fica dentro de casa. É quase que uma troca de relacionamento que não está trazendo resultados. Estou gastando tempo, dinheiro, confiança, usando esse produto, esse serviço. Aí vem uma outra empresa que me dá uma alternativa muito mais bacana, mais econômica, que tem um sex appeal diferente no produto ou que me dá um brinde que faz sentido ou cujo customer service funciona muito bem, é muito mais atrativo porque é mais digital, porque é mais fácil ou mais humanizado, aí o cliente sai porque a gente não aproveitou da maior fonte de informação que a gente tem, que são os dados desse cliente, para saber o que ele precisa e para determinar isso. Um outro ponto que eu acho que as empresas têm de muito desafio é saber que nem todo mundo precisa ser um tomador de decisão. Você vai ter os dados e você vai ter os tomadores de decisão. O que acontece se você tem muitas pessoas tomando decisões com olhares diferentes sobre os dados, e se você não tem uma maturidade data-driven adequada? Você vai ter conclusões partindo de preceitos muito diferentes, partindo de visões que não são sobre exatamente as mesmas problemáticas. Pontos de vista diferentes não são um problema. A gente pode ter opiniões diferentes, pode ter percepções diferentes. O ponto é — quando as pessoas, dentro de uma organização, não enxergam os dados do cliente com a mesma seriedade ou com a mesma importância ou com o storytelling que aqueles dados têm para contar, com o objetivo que aqueles dados têm para contar, e elas enxergam isso de maneira diferente, a discussão acaba não sendo tão saudável, porque você tem pessoas que acabam enxergando coisas completamente diferentes com objetivos completamente diferentes, aí você tem muitos tomadores de decisão. O que normalmente acaba acontecendo é que quem tiver o crachá maior, quem tiver mais força em uma queda de braço, vai acabar vencendo, e a gente vai acabar deixando de lado a visão do cliente e o storytelling que aquele dado precisava contar sobre a necessidade do cliente ou sobre aquilo que precisava ser feito. Tem um pouco dessa dicotomia que precisa ser resolvida e que os businesses precisam se entendem um pouco mais. Às vezes saberem que problemas escolher. Acho que isso é o ponto. Tem muito dado. Eu comecei falando que todos os businesses têm dados, e todos os businesses têm dados sobre tudo. Esse é o ponto.
Cassio Politi: Esse é o perigo, o excesso de dados. Eles nos deixam doidinhos.
Mariana de Marchi: Exatamente. Eu acho que uma última problemática que eu vejo muito nas organizações é — como existem muitos dados sobre absolutamente tudo, falta uma questão de priorização. A gente fala: “tem que matar um dragão por dia, é muita coisa”. Eu acho que tem uma expectativa que tem que ser colocada tanto em CX quanto nos próprios dados de que a existência de uma área de CX ou a existência dos dados não vai trazer resoluções mágica do dia para a noite que vão matar todos os problemas de uma vez. Se você souber ter uma interpretação e souber ponderar e priorizar aquilo que faz sentido para o business… quando eu falo que faz sentido, não estou falando de volume. Vou dar um exemplo — você pode ter problemas muito importantes que têm alto impacto e você tem um volume muito pequeno de pessoas reclamando. Esses dias eu fui pagar meu cartão de crédito no Canadá. É diferente do Brasil porque você não consegue estabelecer débito automático, mas, se gerou a fatura, você tem que clicar na fatura, pagar, e você tem que digitar o tanto que quer pagar, porque aqui é muito comum que as pessoas façam pagamentos diferentes do valor total da fatura. Diferentemente do Brasil, você não tem o parcelamento.
Cassio Politi: Parcelamento é coisa nossa.
Mariana de Marchi: Vamos supor que a fatura está em 1 mil dólares e 25 centavos. Você não consegue digitar os 25 centavos, você consegue digitar 1 mil. Se você põe a vírgula para digitar os 25, ele não permite mais de quatro caracteres e apaga o número. A pessoa que quer pagar a fatura cheia, ela não consegue, a não ser que ela pague faltando centavos ou pagando um pouco a mais. É um grande problema? Não, você vai ficar com um crédito de alguns centavos, mas não é o procedimento correto. Mas pouquíssimas pessoas reclamaram disso porque o hábito deles é um pouco diferente. Eu, que venho de um mercado brasileiro, que uso meu banco de outra forma, para mim tem um alto impacto, e para outras pessoas, sendo um país multicultural. Eu estou morando no Canadá já há algum tempo. É um impacto. Quando eu fui relatar isso para o caixa, ele disse o seguinte: “você tem que ligar para a central de atendimento e contar isso” “sinceramente, você acha que, se eu der um feedback, eles vão ouvir?” “eu acho que precisa de mais pessoas relatando o mesmo problema”. Aí me veio uma coisa à cabeça: você pode às vezes ter dados sobre seus clientes… às vezes a gente tem um hábito péssimo de analisar volumetricamente, e os businesses acabam achando que a dinâmica de priorização é só focada na questão de volume, quantos clientes reclamam sobre aquilo, quantos clientes falam disso, quantos clientes pedem tal coisa, e às vezes a gente esquece de olhar o componente do impacto, ou a complexidade, ou o valor agregado que a gente perde para o negócio em relação àquele problema mesmo que ele seja relatado X vezes e não 1 milhão de vezes e não esteja ali no top dos problemas. Eu acho que esse é um outro ponto que, quando a gente fala de confiança digital, quando fala de desenvolvimento de soluções para o cliente, a gente precisa analisar. Não é só volume, é priorizar de uma forma inteligente que tem o ponto de vista do cliente. Você pode encontrar problemas que são importantes, por exemplo, o do pagamento de cartão de crédito, que pode gerar falta de pagamento dos clientes porque simplesmente eles não conseguem fazer, pode gerar um déficit de pagamento para o banco, mas não tem muita gente reportando porque eles têm outros hábitos de como fazer seus pagamentos, mas isso pode ter um impacto. Olhar outras características de problemáticas de dados que a gente tem e o storytelling do que esses dados querem de fato contar para tomar decisões baseadas não só em volume, mas em complexidade para a experiência do cliente, impacto para a experiência do cliente também.
Cassio Politi: Eu fiquei lembrando aqui, estava tentando buscar o nome de um livro, e consegui achar nas minhas anotações enquanto a ouvia. É um livro até um pouco antigo, embora seja da era digital, chamado Métricas: como melhorar os principais resultados da sua empresa. É de um autor americano chamado Martin Klubeck, e ele vai muito na linha do que você falou. Ele sugere o seguinte — o que são métricas? Nem é sugestão, é definição. O que são métricas? É mais ou menos assim a definição, vou lembrar aqui de cabeça, não estou colando, estou tentando lembrar o que li no livro. Ele fala que métricas são um conjunto de dados e informações. Aí entra o que você falou, às vezes não precisa de volume, precisa de uma informação. Servem para quê? Para responder à pergunta chave que um gestor fazer. Eu preciso saber quantos clientes estão dispostos a aumentar o tíquete, a pagar mais caro por um produto premium, um serviço premium que eu vou lançar ano que vem. Você precisa ter dados suficientes para responder isso, preciso saber quantos clientes compraram. Você começa a fazer perguntas — quantos compraram com tíquete mais alto no ano passado, e os dados vão respondendo. Mas pode ser que ali no meio venha um comentário de alguém no SAC, no site, no Google, e você usa aquilo como parte da resposta. Isso é métrica na definição desse autor, e eu achei muito bacana. Vocês estão falando basicamente a mesma coisa com palavras diferentes. Eu fico pensando aqui — você passeou bastante pela questão de tomada de decisão, pela questão legal da Europa, LGPD no Brasil. Quando é que vai começar, se é que já não começou, a se discutir a ética disso? A gente tem três esferas. Se você voltar ali aos estudos básicos de ética, você vai pegar vários livros que falam o seguinte — você tem três camadas, não necessariamente uma acima da outra, mas são três camadas, a legal, e a LGPD é isso, o que você não pode fazer porque a lei não deixa; a ética, que é aquilo que você pratica com respeito aos outros; e a moral, que é aquilo mais pessoal. A gente está discutindo muito a parte legal por enquanto: “a LGPD não me deixa usar dados de terceiros nos cookies, vai terminar por causa disso, a gente não pode comprar lista na Praça da Sé por causa isso”. Quando é que a gente vai discutir a ética disso? Eu posso pegar os dados, mas eu devo? Me desculpe pela colocação longa aqui, mas estava conversando com um amigo que faz doutorado na área de satélites, tecnologia, e ele estava contando que no doutorado dele na USP estavam discutindo a questão ética, por exemplo, do carro autônomo. É ético falar, por exemplo, que o carro autônomo, no dia que ele estiver na rua… a pessoa vai atravessando fora da faixa, ele não vai atropelar aquela pessoa, vai desviar, aí quem morre é você, que estava dentro do carro, ele desviou, pegou na contramão um ônibus. Ok. Aí você fala assim: “se eu pagar 300 reais a mais na minha assinatura, ele atropela a pessoa, então quem morre é o outro”. É uma questão ética terrível, inclusive uma questão moral terrível, mas já estão discutindo. Em dados, em que momento a gente deveria, ou já começou, discutir a ética daquilo? “Posso pegar o dado, a lei me deixa, mas eu não deveria”. Não é um ponto a se pensar?
Mariana de Marchi: É um ponto muito importante a se pensar porque a gente está falando não só de gerar valor para o cliente, para a empresa, como a gente está falando da transparência, da integridade, da reputação. A gente fala muito da questão da reputação, a marca pode, se não se atentar a essas questões, ter um dano muito forte para sua reputação e perder toda a confiança. Mas, de novo, isso é uma visão de dentro para fora, a reputação da marca. É mais sobre a questão humana, sobre a responsabilidade que a gente tem sobre vidas, sobre as pessoas. A partir do momento que as pessoas começarem a enxergar que a experiência do cliente é um ecossistema de que todos fazem parte e têm certa responsabilidade, ou seja, quando as marcas começarem a investir em experiência do cliente efetivamente, em programas culturais que mudem o mindset das pessoas, que comecem a entender um pouco mais além do seu quadrado, comecem a entender que fazem parte um ecossistema que tem impacto em vidas e que cada vida importa porque os clientes são recursos finitos, a gente vai começar a ter discussões mais sinceras sobre o que a gente pode e o que a gente de fato deve fazer. É uma discussão que eu vejo acontecer muito em empresas novas, empresas mais jovens e que nascem um pouco mais com esse ideal de serem empresas a favor do cliente, só que elas nascem com esse mindset muito nato de colocar o outro em primeiro lugar.
Cassio Politi: Como é bom conversar com você. Você domina muito bem o que fala. Daí dá para ver que você é uma excelente professora porque você transmite com muita facilidade aquilo que você tem como conhecimento, então o podcast fica uma delícia com você. Você devia ter um podcast seu. Vou aqui fomentar a concorrência saudável. Não tem essa de concorrência. No fundo, os podcasters todos se amam. No fim das contas, é isso, a gente acaba adorando conteúdo bom. Mas quero lhe agradecer muito pelo bate-papo hoje. Volte mais vezes.
Mariana de Marchi: Muito obrigada. Eu fiquei muito feliz pelo convite. É sempre uma delícia falar com as pessoas de mercado. Contem comigo. Obrigada. Não sei se vou abrir um podcast porque com baby é muito difícil, a gente tem que aproveitar a hora da soneca do bebê para trabalhar um pouco. Mas estou aqui à disposição sempre que vocês precisarem, e até offline também, para a gente poder bater um papo, e também quem quiser me procurar no LinkedIn para bater um papo, a gente pode, sem dúvida alguma.
Cassio Politi: Vamos chegando ao final do Think Tech de hoje. Mas eu preciso confessar uma coisa para você. Essa conversa sobre a ética no uso de dados vai ficar no meu cérebro humano por um tempo, Sara.
Sara: Vai ficar no meu cérebro eletrônico também, Cassio. Ética é um assunto que sempre desperta bons debates, e não é de hoje que isso acontece. O termo ética deriva de ethos, que em grego significa caráter ou costume. De maneira prática, ética é o conjunto de padrões e valores morais adotados por um grupo ou por um indivíduo.
Cassio Politi: Ótimo, Sara. Eu deixei inclusive para a definição de ética na descrição do podcast de hoje. Eu deixei também um link para o livro de métricas que eu citei, do Martin Klubeck.
Sara: Na hora você não lembrou exatamente a definição de métrica criada pelo autor do livro, então eu vou ajudar. Martin Klubeck diz que métricas são o conjunto de indicadores e de informações que respondem a uma questão raiz.
Cassio Politi: Muito obrigado, Sara. Ter uma assistente já é bom quando é eficiente como você, é muito fácil para quem apresenta um podcast. Se a assistente for digital, melhor ainda. O podcast de hoje vai ficando por aqui. Feliz 2022 para você que nos ouve. Até a próxima.