Cássio Politi: O Think Tech está no ar. Meu nome é Cássio Politi, e junto com a Algar Tech, nós vamos embarcar nessa jornada de repensar possibilidades. No episódio de hoje, a gente faz uma imersão em inovação na área de saúde, mais especificamente na indústria farmacêutica. E comigo, como de praxe, eu tenho o prazer de apresentar a Sara, a nossa especialista virtual em negócios aqui da Algar Tech. Sara, a farma é um mercado grande, hein. 

Sara: É um mercado grande e relevante, Cássio, em 2021, o mercado farmacêutico do Brasil movimentou 88 bilhões de reais, esse resultado de 2021 foi 14% maior que o de 2020, isso coloca o Brasil como o oitavo país do mundo no ranking das maiores indústrias farmacêuticas. 

Cássio Politi: Pois é, indústria enorme mesmo, viu Sara. Para o bate papo de hoje, eu tenho a satisfação de receber o Marcio Ramos, que é diretor de dados digitais e inovação para a Novartis Brasil. Olha, não preciso apresentar a Novartis, Novartis é uma indústria farmacêutica gigantesca, originalmente da Suíça, mas quem não conhece a Novartis, faz um favor, dá um Google aí, porque impossível ignorar uma empresa desse porte. Marcio, muito bom ter você aqui, obrigado por aceitar o convite para essa conversa de hoje. 

Marcio Ramos: Obrigado pelo convite, Cássio, um prazer estar aqui com vocês. 

Cássio Politi: Marcio, te apresentei aqui como diretor de dados digitais e inovação, e acho que não tem outra coisa que o mercado hoje, como um todo, fala, claro, a indústria farmacêutica sempre foi uma indústria muito focada em inovação, e naturalmente, agora ela vai migrando boa parte da sua operação e da sua atenção para o digital, transformação digital, que inclui dados. De onde vem a sua experiência, Marcio, para trabalhar com uma operação tão grande? Qual é o seu background nessas áreas especificamente?

Marcio Ramos: Boa, Cássio. A minha carreira, uma reflexão que eu fiz, que eu já ouvi algumas pessoas falarem isso também, e uma coisa que sempre ficou forte para mim, é que só existem dois tipos de empresa, empresas que já são digitais de alguma forma, e empresas que vão se tornar digitais. Eu digo isso para abrir porque eu direcionei minha carreira para trabalhar com isso, porque eu acho que é extremamente importante, não só para o presente, como para o futuro. E a minha carreira, eu passei por alguns lugares, eu passei pelo mercado financeiro, acho que é sempre importante para um papel de liderança você ter experiência em PNL, então eu tive essa bagagem para aprender mais sobre isso, é quase um pedágio na minha carreira, mas um pedágio importante. Estive em consultoria na (inint) [00:03:20], por exemplo, que é um benchmark em transformação digital e toda essa parte de consultoria digital, e depois de tudo isso e de outras jornadas e aventuras, eu fui para o setor de saúde. Por que eu fui para o setor de saúde? Porque eu via um setor com um alto potencial de crescimento, com uma demanda necessária, com uma dor latente, que ainda precisava de muita transformação e de pessoas com a experiência e background que eu tinha, e que estava em um momento de fazer esse investimento, esse é um primeiro ponto. Segundo ponto, é um setor que quem já esteve perto de saúde, sabe que o propósito não precisa nem discutir muito, o propósito é salvar vida e transformar a vida dos pacientes pelo mundo, isso é muito nobre, é muito bonito de poder participar disso. Então guiei minha carreira para a saúde, tive recentemente na (inint) [00:04:19], que é uma farmacêutica americana bastante grande também, trabalhando com inovação em digital, e agora mais recentemente na Novartis nessa função. 

Cássio Politi: Legal, são empresas relevantes essa que você mencionou, inclusive no setor de saúde, inclusive a concorrente da Novartis. E como que a indústria farmacêutica, hoje, se beneficia disso? Porque me parece, Marcio, e você me corrige se eu estiver errado, pouco contato que eu já tive, me parece uma indústria mais cintura dura, desculpa o termo assim, mas é uma indústria que, talvez por não depender tanto de uma operação digital, como um banco, por exemplo, um banco hoje, se você tem um banco tradicional e ele não concorre com os bancos digitais com a mesma experiência de app e tudo mais, ele está em uma tremenda desvantagem. A indústria farmacêutica, quando eu falo cintura dura, que estou falando com todo respeito, é porque ela não precisa disso, na sua essência, ela vive sem isso, mas tem esse movimento de migrar para transformação digital, porque deve haver benefícios. Como é que isso é estruturado? E por que as empresas estão saindo da farmacêutica para o digital?

Marcio Ramos: Eu acho que tem algumas variáveis para essa mudança, e do porquê a indústria farmacêutica, e a indústria de saúde de forma geral, precisam disso. Acho que a primeira é que as indústrias, hoje, a gente sempre fala isso, a gente não compete mais só com outras farmas, a gente compete de alguma forma por atenção das pessoas, e pela atenção das pessoas, e as pessoas estão naturalmente comparando os serviços que a gente presta a elas com outros concorrentes que não são só farmacêuticas, se você é um médico, por exemplo, e você entra em um canal digital da Novartis, e um minuto atrás você estava em um canal digital da Amazon, você espera uma qualidade pelo menos parecida, e se não for é frustrante, e talvez você não queira investir tempo naquilo. Então, acho que a primeira variável é que tem uma variável macro, que é cross indústria, que as empresas estão se profissionalizando nessa frente, e naturalmente, a expectativa de qualidade, de processo, melhora, então acho que essa é uma primeira variável. Uma segunda variável que tem acontecido na indústria, é que as barreiras de entrada estão se tornando menores, então antigamente o que acontecia? Você tinha poucas farmacêuticas, que produziam medicamentos mais simples, e que esses medicamentos tomavam muito tempo para estarem prontos. Depois de alguns anos, a ciência, a medicina evoluíram, e esses medicamentos mais simples, as mesmas farmacêuticas, e até outras farmacêuticas conseguiam fazer em muito menos tempo, então a concorrência nesse tipo de terapia aumentou. E naturalmente, as maiores indústrias farmacêutica começaram a entrar em terapias mais complexas, em que o processo de desenvolvimento desse medicamento demora mais tempo e é mais custoso de fazer, por exemplo, biotecnologia e os biológicos. E acontece a mesma coisa agora com o avanço da ciência, da tecnologia e da medicina, onde cada vez mais os concorrentes chegam mais rápido. Então, um pouco do que você falou de você ter uma demanda quase garantida, que as pessoas… elas, naturalmente, adoecem, e precisam de suporte, e isso não mudou, as pessoas vão continuar tendo, as vezes uma doença autoimune genética, ou as vezes vão adoecer durante a sua vida, então essa demanda continua, mas a competição aumenta, e se a competição aumenta, a forma como a gente lida com ela também muda. Então, acho que a indústria tem percebido que ela precisa se posicionar, precisa ser mais sagaz, mais (inint) [00:08:10], mais preparado para esse mercado, para conseguir sobreviver, competir e cumprir seu propósito, que é transformar a vida dos pacientes, acho que eu respondi uma parte da sua pergunta. A segunda parte é, o que ela tem feito, como é que a gente tem introduzido essa transformação digital na indústria. Eu vou falar especificamente da Novartis, que eu conheço mais, se quiser a gente pode entrar mais no setor, mas pelo menos comigo, a gente tem três grandes áreas, uma área de dados, e a área de dados está de alguma forma ligada a transformação digital, porque muito disso tem tecnologia por trás, eu acho que hoje já é muito óbvio o porquê que dados são importantes, é quase autoexplicativo, mas para a gente, que é normal de uma empresa multinacional, o que a gente tem é, a gente tem muitos dados, que pouco se falam, pouco se conectam, e que estão muito pouco estruturados para ajudar a gente na tomada de decisão, isso é normal de uma empresa centenária, uma empresa centenária vai comprando algumas empresas ou novos serviços e novas soluções, e ela vai criando novas frentes, e nem sempre a arquitetura, toda a estrutura de dados por trás disso está super bem resolvida. Então, a gente está endereçando essa dor, que é uma dor que a Novartis tem e muitas outras empresas tem, para que a gente possa ajudar a tomada de decisão de uma forma mais adequada, mais correta, mais rápida e mais eficiente, essa é uma primeira variável. Uma segunda variável de dados, só para dar alguns exemplos aqui, é que a gente pode usar esses dados de uma forma inteligente e estruturada para ajudar a gente a cuidar melhor do paciente, então imagina, se eu, por exemplo, conseguir ter dados de desfecho, que são dados do outcome de um tratamento, uma pessoa começa a tomar uma terapia nossa e eu consigo ter mais clareza sobre o que acontece com ela, eu posso direcionar essa terapia e toda a estrutura médica de saúde por trás disso para que o paciente tenha resultados melhores, ou para que a gente tenha um processo de acesso mais bem estruturado e mais competente, para que a terapia chegue ao paciente. Então assim, dados é quase give aqui na nossa discussão a importância dele, o nosso dilema é só fazer da forma correta. Aí eu tenho um time que a gente chama de (inint) [00:10:27] channel execution, que é um time que está pensando em como é que eu converso com o mercado, basicamente, se eu fosse resumir, então esse time está pensando: “Putz, eu falo com médicos, eu falo com pacientes, eu falo com diferentes stakeholders, como é que eu vou falar com essas pessoas? Qual é a mensagem que eu quero passar? Como é que eu posiciono a minha marca e os meus produtos? Como é que eu ajudo essas pessoas a interagirem comigo?”, isso todas as empresas estão fazendo, todas as empresas estão pensando em como elas falam melhor com seus diferentes stakeholders, então essa área faz isso, de uma forma resumida, e ela se aproveita da tecnologia para fazer isso melhor, cada vez mais eficiente. E tem uma terceira área, que acho que a gente vai ter que dedicar mais tempo aqui, que é uma área de inovação, e aí que eu acho que entra um aspecto bastante transformacional, que a Novartis, na minha opinião, está na frente dos seus pares, que é, dado esse pretexto que eu acabei de comentar com vocês, que tem mais competição mais rápido, como que a gente, como empresa, se prepara e utiliza da inovação para que a terapia chegue mais rápido ao paciente? Essa é uma pergunta que a gente se faz, existem mais terapias vindo, existem terapias mais complexas vindo, existe mais concorrência vindo, mas ainda assim nem sempre essa terapia chega no paciente na velocidade que a gente gostaria, e isso tem um problema com o paciente que não tem o tratamento adequado, e tem um problema para a gente do ponto de vista de produto, de resultado financeiros e por aí vai. Quando a gente olha isso, a gente percebe que muitas vezes o impedimento para que a terapia chegue ao paciente é acesso, são terapias mais complexas, naturalmente mais caras, e nem sempre o paciente consegue acessar essa terapia, as vezes até por custo, não consegue pagar ou reembolsar essa terapia. Se você falar de terapias para doenças raras e crônicas, a grande maioria delas são custosas, tem um preço mais elevado, então normalmente elas são reembolsadas, ou por um seguro privado ou por um seguro público, Ministério da Saúde, SUS, ou por operadoras quando a pessoa tem um reembolso. A gente precisa garantir que esse medicamento chegue a esse paciente, e tem impedimentos aí no meio para que ele chegue, as vezes a operadora não está disposta a reembolsar, por diferentes motivos, porque ela não tem visibilidade para o tratamento e ela acha que é uma fraude, as vezes esse paciente… a ausência de dados sobre a efetividade do tratamento não deixa a operadora, e nem o próprio SUS e o Ministério da Saúde, confortável para reembolsar o medicamento, então existem gargalos para que esse tratamento chegue no paciente, que são cada vez mais evidentes, dado que a gente entra em cada vez mais competição e terapias mais complexas. Então, o time de inovação olha essas dores e tenta resolver, então é mais ou menos assim que esses times se posicionam, é mais ou menos isso que tem acontecido no mercado de saúde. 

Cássio Politi: Dá um exemplo dessa atuação do time de inovação ao encontrar dores, que tipo de dor vocês encontram? Doença rara, por exemplo, pode ser uma?

Marcio Ramos: A dor da doença rara, ela não é necessariamente endereçada só no Brasil, porque a doença rara vem de um ponto anterior, ela vem de uma estratégia da empresa de falar: “Eu quero olhar para doenças raras”, e ela começa a criar um pipeline de medicamentos inovadores para tratar doenças raras, esse produto raramente é sequer desenvolvido no Brasil, para ser super honesto, ele muitas vezes é desenvolvido em uma Alemanha, em um Estados Unidos, em parceria com diversos grandes players do mercado de saúde. Mas uma vez que essa terapia existe, que ela está pronta, que ela chegou ao Brasil, não adianta só ela existir, ela tem que chegar na mão do paciente, a pessoa precisa ser tratada, especialmente quando faz sentido, quando é o paciente certo, no momento certo, que é o que a gente está procurando. Qual é o gargalo aqui? Se eu pegar biológicos, por exemplo, que são uma tecnologia nova para a saúde, nem todo médico sabe usar o biológico, nem todo médico está confortável em usar o biológico, então quando a gente olhar, por exemplo, o mercado de dermatologia no Brasil, só para dar um exemplo super específico, a gente tem mais ou menos 600 médicos que estão prescrevendo, que estão tratando pacientes com biológicos, e que esses pacientes poderiam estar sendo tratados com biológico, e mais de 12, 13 mil médicos dermatologistas pelo Brasil. Então você tem um gap entre dermatologistas que estão aí pelo Brasil dispostos e atendendo os diferentes pacientes com diversos problemas, versus os médicos que de fato sabem e querem prescrever aquela terapia que é mais inovadora e mais complexa. O que a gente faz em relação a isso? A gente só disponibiliza o tratamento e vê se o mercado se ajusta? Acho que não está alinhado com o nosso propósito, o nosso propósito é levar esse tratamento ao paciente e tratar as pessoas que realmente precisam desse tratamento, e com isso crescer, etc. Então quando a gente faz esse diagnóstico, a gente percebe que a gente pode ser um facilitador, além de não só oferecer a terapia, mas também oferecer uma inovação que endereça essa dor que eu acabei de comentar. Um exemplo do que a gente fez para essa dor específica, e se a gente ajudasse esse paciente a quase se autodiagnosticar? A perceber que ele tem um problema, a perceber que ele tem uma possibilidade grande de ter essa doença, e depois ajudar a conectar esse paciente ao médico que quer e sabe tratar essa doença com esse tipo de terapia? Isso não é uma aspiração, é uma coisa que a gente já realizou. Então, a gente criou, junto com uma sociedade médica, um formulário onde o paciente pode preencher esse formulário, dependendo da pontuação que sair, que é supersimples de fazer, você faz isso em minutos, você pode ter uma maior ou menor tendência a ter a doença, e dependendo se esse possível paciente pontuou, a gente leva ele a um paciente que quer, pode e sabe tratar essa doença nessa condição. Então, ao fazer isso, Cássio, o que a gente está fazendo, e aí que inovação passa a ser super estratégico para o mercado de saúde, a gente não está mais só colocando o tratamento como disponível no mercado, a gente está percebendo quais são os grandes gargalos para que os pacientes acessem esse medicamento e vice-versa, e criando soluções para encurtar a jornada desse paciente até ela estar mais saudável. Nesse exemplo que eu falei, muitos desses pacientes ficam de dez a 15 anos até serem diagnosticados corretamente, se a gente conseguir acelerar isso para meses, imagina o ganho para o paciente? Imagina o ganho para o médico que quer endereçar a situação? Imagina o ganho para o ecossistema de saúde? Que não tem custos por dez, 15 anos até esse paciente estar no tratamento adequado. Então, isso é um pouco da nossa ambição, da nossa aspiração, pelo menos no mais curto prazo, e assim que a gente tem feito. 

Cássio Politi: Marcio, eu fico pensando aqui, a tecnologia deve poder ajudar em alguns momentos, por exemplo, o autodiagnóstico, claro, você está falando aqui de um formulário que me parece ter uma inteligência ali na construção do formulário que te leva a isso, mas eu sei que tem casos em que vocês usam coisas ainda mais rápidas e mais simples, mais usuais, já vi exemplos, por exemplo, de usar QRCode, e acho que parte de vocês isso, com um celular você vai em uma farmácia, por exemplo, e descobre ali determinadas informações que vão ser cruciais para você. Como é que funciona isso? 

Marcio Ramos: A lógica do QRCode, aqui, como um dos elementos de tecnologia que a gente usa, é literalmente o que a gente usou nesse caso que eu acabei de descrever. Então, a nossa percepção foi o seguinte, os pacientes que estão com essas diferentes doenças que a gente está querendo tratar com biológicos, eles estão pelo Brasil, eles não estão necessariamente concentrados em um único lugar, é uma doença com uma prevalência de X, ou seja, se aplica a tantos por cento da população, e as pessoas estão espalhadas aí pelo Brasil. E algumas dessas pessoas já sabem que elas têm essa doença, e uma boa parte dessas pessoas não sabem que tem essa doença. Para todas as doenças raras e crônicas, normalmente você tem uma taxa de diagnóstico baixo, então muitas dessas pessoas ou não foram diagnosticadas, ou foram diagnosticadas, mas ainda não estão no tratamento ideal. Então, qual é a lógica aqui? E como é que tecnologia entra no meio? Quando a gente colocar um QRCode com uma frase de efeito, por exemplo, você tem dor nas costas, que pode ser um dos sintomas dessas doenças, ou dessa doença, e a gente coloca isso dentro de hospitais, de farmácias, se possível até em veículos de mídia de massa, a gente começa a falar com mais gente e aumentar as chances de a gente encontrar essa pessoa que ainda não sabe que tem essa doença, ou que não sabe que poderia ser melhor tratada. Então, o QRCode aqui foi um exemplo prático do que a gente fez, pessoa passa pelo QRCode, acessa o formulário digital, faz isso em questão de minutos, um formulário assim, pre aproved, pré alinhada, co-construída com sociedade médicas e médicos que conhecem o assunto, e dependendo a gente usa também a tecnologia para depois conectar essa pessoa com médicos que depois possam fazer esse tratamento. Então, essa é a situação, existem milhares ou milhões de pessoas pelo Brasil que ou não foram diagnosticadas ou que estão subtratadas, e que a gente está tentando encontrar elas e encurtar a jornada delas até o tratamento adequado, e a gente usa a tecnologia para viabilizar isso. 

Cássio Politi: Legal. E vocês tem também casos… acho que até cientificamente um pouco mais desafiadores, falou outro dia do medicamento para atrofia espinhal, que é algo que não é tão simples quando uma doença, imagino… não sei qual é o grau de complexidade dessas doenças que você mencionou, mas atrofia espinhal é algo muito sério, especialmente em crianças. Como é que a tecnologia ajuda nesse caso?

Marcio Ramos: Ela ajuda acho que em duas pontas, Cassio, a primeira é na criação da própria terapia, então esse medicamento que está em processo de lançamento no Brasil, para atender esses pacientes brasileiros, ele é uma terapia gênica, ou seja, ele faz quase que uma alteração genética para curar essa pessoa que tem uma doença rara e grave. Então, atrofia muscular espinhal é uma doença que não acontece em muita gente, mas quando acontece é bastante grave, muitas vezes levando a óbito, então uma criança que nasce com essa condição, ela tem um nível de complexidade, em vários desses níveis de complexidade, de tipo de doença, ela pode ser pior ou melhor, e muitos desses casos pior, que levam ao óbito relativamente rápido, então é uma doença assustadora, para o pai, por exemplo, que tem um filho que nasce com essa doença, com esse problema. Até recentemente a gente tinha terapias que endereçavam a situação, mas não necessariamente traziam uma cura, e no caso do medicamento que a Novartis está lançando no mercado, ela é praticamente uma cura, então o que acontece aqui é, a gente encontra essa criança, o diagnóstico é feito, a gente tira alguns exames e algumas necessidades, a gente envia isso para outro lugar no mundo aqui, que faz quase como se fosse uma dose única individualizada para essa criança, e ela volta ao Brasil para ser tratada dessa forma, e aí essa criança passa a ter uma vida que ela não teria caso não fosse essa terapia. Então a primeira parte aqui é a tecnologia e a ciência do desenvolvimento dessa terapia e na gestão dessa terapia, que é tão complexa. A segunda variável aqui é, essas crianças, se elas não forem diagnosticadas rápidas, de forma rápida, a cada tempo que passa, a doença vai piorando, e ela vai piorando de uma forma talvez que a gente não consiga… nem a própria terapia consiga corrigir. Então, na prática, a gente precisa encontrar essa doença, esse problema, o mais rápido possível. Então, esse exemplo que eu te falei agora a pouco, de a gente encontrar os pacientes e se ajudar a diagnosticar, é aqui onde a inovação também entra. Como é que a gente entende qual é o gargalo para que esse diagnóstico seja feito? Hoje ele é feito via um teste do pezinho, já deve ter ouvido falar, quando as crianças nascem, esse teste do pezinho nem sempre é feito, nem sempre é feito da forma correta, muitas vezes a documentação é feita em papel, e pouco acompanhada, então assim, tem um gargalo, tem um problema, o teste existe, mas a efetividade dele é baixa. Como é que a gente, com uma inovação, entra nessa ação, olha essa dor e ajuda a criar alguma tecnologia que acelere, facilite e garanta que esse diagnóstico seja feito de forma mais rápida para melhorar o output, a qualidade da vida dessa criança, que é super grave, e também viabilizar que essa terapia chegue ao paciente que precisa da forma que precisa, no momento que precisa. Então esse é um exemplo do que a gente tenta fazer. Aqui a gente ainda não encontrou uma solução, senão eu até te traria como exemplo, mas é uma coisa que a gente tem estudado, dado que é um problema do mercado, e aí volto no que eu falei antes, eu acho que o posicionamento antigo da indústria farmacêutica poderia ser: “Eu trouxe a terapia e eu vou começar a promover ela”, acho que o posicionamento do futuro de saúde é: “Eu trago a terapia, mas percebo que ele tem impedimentos para que funcione da forma como gostaria”, e eu ajudo a endereçar também essas dores, e endereçar uma dor do ecossistema de saúde. 

Cássio Politi: Pelo jeito, do lado das indústrias farmacêuticas, a coisa vai evoluindo muito fortemente, até porque é uma indústria que investe nisso, primeiro, em geral é uma indústria que tem dinheiro, e segundo, gosta de investir nisso, vê vantagem de investir em desenvolvimento de tecnologia. Quanto depende do outro lado para a coisa dar certo? Quanto depende dos outros stakeholders? Do próprio paciente, o médico, quanto vocês são dependentes da cadeia como um todo, aquilo que foge da alçada de vocês?

Marcio Ramos: Essa é uma pergunta interessante, porque eu também acho que ele entra no que a gente estava conversando antes, se você for pegar medicamentos mais simples, terapias mais simples, normalmente a equação para que isso funcione, ele está mais ligado ao médico prescritor, que é basicamente o médico que vai fazer o diagnóstico e acompanhamento dessa pessoa que tem uma doença, nesse caso rara ou crônica, etc. Quando você entra em terapias mais complexas, que são mais caras, inclusive tem um preço maior, normalmente a pessoa não vai pagar isso do bolso, ela vai passar por um reembolso, por um processo com uma operadora. Então, você já começa… você colocou um outro player nessa equação, você colocou as operadoras, ou o próprio SUS, que pode fazer isso de uma via pública ou privada. Só que dado a terapia complexa e dado o ecossistema de saúde, você também tem um outro player, um outro stakeholder que está aí no meio, que são os prestadores, os grandes hospitais, que também fazem parte desse processo de diversas formas. Então, acho que tem uma diferença aqui, que para medicamentos mais simples, que a gente chama de OTC, over the counter, que você pode ir lá na farmácia e comprar sem sequer uma prescrição, você tem menos players envolvidos e é um processo mais varejo, que chama até de retail. Para terapias mais complexas, essa equação envolve muito mais gente, e eles são parte desse processo, se o médico… como eu falei antes, se você não tem um médico que saiba prescrever, que saiba diagnosticar essa doença, o diagnóstico não acontece, e no Brasil precisa passar pelo médico, e o médico precisa fazer essa prescrição. Está bom, mas aí o diagnóstico e a prescrição aconteceram, mas aí chegou na operadora e por algum motivo não consegui avançar, a terapia não está na mão do paciente ainda, esse paciente não está em tratamento, a gente não está resolvendo a dor. Está bom, aí eu jogo nessa equação os laboratórios de diagnóstico, se eu não conseguir fazer o exame, como a gente falou agora do teste do pezinho, no momento certo, do jeito certo, e suportar a decisão médica, a decisão da operadora, também não acontece. Então, eu diria que todos esses players, todos esses stakeholders são enormemente influentes nesse processo da terapia chegar e o paciente… a gente transformar a vida dessa pessoa, que precisa, que tem um problema grave. Eu acho que a nossa conversa, a base dela, que ela gira em torno, é como a gente, como indústria, está percebendo que, no nosso papel de transforma a vida das pessoas, a gente precisa endereçar todos esses stakeholders, a gente precisa olhar cada um deles com carinho e entender qual é o gargalo em cada etapa, e que é o nosso papel ajudar a endereçar isso. Então, é dessa forma que a gente tem tentado se posicionar, não é só cria uma terapia super complexa, coloca no mercado e tenta promover para os médicos, agora é uma visão de cria essas terapias que salvam vidas, que mudam vidas, traz para o Brasil, faz toda a aprovação regulatória, faz toda a aprovação com CONINTEC, com o (NS) [00:28:18], de incorporação, e depois disso começa um segundo trabalho de ver onde estão essas dores, seja no pagador, seja no pensador, seja no médico prescritor, e ajudar o ecossistema a endereçar esse problema para que o paciente possa ser tratado, acho que essa é a grande diferença. 

Cássio Politi: Marcio, para a gente fechar aqui, eu queria saber de como você sente esse mercado, você abriu contando aqui da sua trajetória, passando por outros mercados, passou por consultoria, mercado financeiro é um ritmo alucinante, a consultoria imagino que, dependendo do cliente, seja mais ou menos acelerado, mas quando você fala em mercado financeiro, muitas vezes o que você está planejando aqui hoje é para semana que vem, aliás, depois da pandemia, Marcio, a gente começou a ver muito gestor falando que até pouco tempo, o longo prazo seria 15 anos, aquela coisa, planejamento estratégico, missão, visão e valores, e qual é a visão para daqui 15 anos, imagina, a visão hoje é se tanto para daqui a dois anos, o longo prazo é dois anos, o médico prazo é mês que vem e o curto prazo é amanhã. E me parece que o ritmo de transformação na indústria farmacêutica é um pouco diferente, porque as coisas acontecem mais lentamente, não é nenhuma crítica, não é um defeito, é assim, quanto tempo leva para desenvolver um medicamento? Vacina a gente pôde ter um cheiro agora, quem era leigo como eu pôde ter um cheiro, fizeram a vacina de COVID em um ano e pouco e foi um recorde histórico. Como é que você, que inclusive já foi presidente do instituto de formação de líderes, então trabalha com vários outros players de vários mercados, como é que você se ambienta a isso? Precisa mudar o ritmo? Precisa ter uma outra mentalidade? Ou na essência é tudo mais ou menos a mesma coisa?

Marcio Ramos: Eu tendo a concordar com você, Cassio, são mercados diferentes, com dinâmicas diferentes. O mercado financeiro e o mercado de varejo, por exemplo, o mercado de consultoria, que normalmente está muito próximo do mercado financeiro e de telecom, são grandes parceiros do mercado de consultoria, eles têm ciclos de venda mais curto, muitas vezes eles vendem direto para pessoa física, aqui a gente é quase que um negócio B2B, ou seja a venda acontece muito através do médico e com o médico. O nosso ciclo de venda, o ciclo de venda junto a esse médico é um ciclo que toma algum tempo, não acontece em uma única conversa, em uma única sentada, é um processo de criação de confiança, então o ciclo é diferente. Quando você olha para o mercado financeiro, você tem venda diária, você olha para varejo, você tem milhares, milhões de vendas diárias. Então, acho que a grande diferença é que o mercado financeiro e o mercado de varejo, o mercado de consultoria, ele te obriga a ter um senso de urgência maior, e eu acho que é natural que quem está em uma indústria de ciclos mais longos adote uma velocidade um pouco diferente, é natural, natural do ser humano, ninguém está sendo forçado a isso, é um processo mais complexo, um ticket de maior valor, que você faz esse processo em mais tempo, talvez até com mais profundidade. A pergunta que eu faço para o meu time, e que eu me faço é, está bom, esse ciclo é mais longo, mas quão curto a gente pode tornar ele? Se o nosso propósito é transformar a vida das pessoas, tem centenas de milhares de pessoas, ou milhões de pessoas no Brasil hoje que estão subdiagnosticadas e subtratadas, a gente está falando aqui que a nossa visão é ajudar essas pessoas. A gente vai esperar um ciclo de um ano, dois anos, três anos, dez anos para isso acontecer? Acho que depende da forma como você gosta de trabalhar, eu tenho a ambição de pegar isso aqui e tornar esse ciclo mais rápido, de endereçar dores que a gente sequer começou a olhar. A forma como a gente tem feito isso no nosso time é com processo, com processo e disciplina, então a gente trabalha aqui dentro, por exemplo, com cultura ágil, com metodologias (inint) [00:32:50], onde a gente vai pegando processos mais longos e complexos e cortando em fatias menores, até para garantir que nessas fatias menores a gente avance com uma velocidade e com uma qualidade melhor, e uma atenção mais próxima, essa é a minha ambição, essa é a ambição do nosso time, e a gente tem como meta aqui não só fazer inovação, a gente tem como meta fazer inovação em menos tempo e com menos recursos, e que gere mais impacto. Será que a indústria, naturalmente, pediria isso para a gente? Não sei, mas se a gente quiser ser… realmente cumprir nosso propósito, se a gente quiser cumprir essa missão, se a gente quiser acelerar esse processo e realmente ser diferente, a gente precisa fazer isso. Então, a forma como eu opero é que eu não espero se o mercado está pedindo, eu trabalho em um senso de urgência que eu acho adequado, e aqui o senso de urgência para mim é muito alto, porque tem muita gente precisando do nosso apoio, do tratamento adequado, do apoio… do tratamento de uma doença complexa, e a gente se cobra para fazer isso acontecer as soon as possible. 

Cássio Politi: Olha, você falar que os recursos as vezes são escassos, eu acredito, porque não é que eles são escassos, você nunca tem o recurso que você gostaria de ter, então o dia que eu ouvi em uma palestra nos Estados Unidos, era o diretor de marketing da Coca Cola, naquela ocasião, talvez ainda seja, era o maior budget do mundo, então o cara sentava ali em Atlanta com a maior cifra para gastar em marketing no mundo, e ele falou que era insuficiente, porque o tamanho do desafio é proporcional sempre, então quando você chega e fala: “Novartis…”, um lego pode falar: “Mas a Novartis, desse tamanho, não vai ter dinheiro?”, cara, tem, mas você tem que otimizar. Então, acho que isso também te força, não é Marcio, um pouco a se mexer, como você está falando, a encontrar melhores produtividade na equipe, usar metodologia ágil, é um pouco também você colocar, às vezes, desafios maiores do que aqueles que são óbvios, aqueles que você facilmente consegue, isso é uma questão de liderança até. 

Marcio Ramos: Eu concordo, eu acho que… eu não sei qual é o seu, Cássio, mas quando eu paro e reflito sobre qual é o meu propósito, eu diria que o meu propósito hoje é mais inspiracional do que aspiracional, meu propósito é deitar a cabeça no travesseiro no final do dia e ter certeza que eu fiz a coisa certa, que eu dediquei meu tempo da forma correta, que eu tenho orgulho da pessoa que eu sou e das ações que eu tomei, e para mim, estando em uma indústria de ciclos mais longos, isso significa que eu quero tornar esses ciclos os mais curtos possíveis, quero otimizar meu tempo ao máximo, quero otimizar meu aprendizado ao máximo. Então, essa é a ambição que eu tenho pessoalmente, eu acho que essa é a cultura que a gente tem aqui dentro desse time, um time que quer vencer, que quer cumprir esse propósito, e o que a gente procura fazer, é como é que a gente torna isso realiza, factível, porque uma coisa é eu chegar para você e falar: “Eu quero fazer isso”, outra coisa é, como é que eu encontro métodos, formas, cultura, jeitos, para que 60 pessoas cumpram isso, mil pessoas cumpram isso, 10 mil pessoas cumpram isso e consigam fazer? Porque eu acho que também é aquela visão de liderança mais tradicional versus uma liderança mais moderna, talvez uma liderança mais tradicional diga assim: “Tem que fazer”, como? Não sei, descubra. Eu acho que uma liderança moderna talvez fale assim: “Temos que fazer, e a gente vai achar uma forma de como fazer isso juntos, e aqui está o método que viabiliza isso para que essa crença não seja só uma vontade, uma ambição, mas seja plausível”. Então a gente tem tentado achar a forma de construir isso aqui dentro, e fazer com que a gente torne ciclos muito longos, processos muito complexos, mais fácies, mais factíveis e endereçadas. 

Cássio Politi: Marcio, quero te agradecer muito pelo papo, pela aula que você deu inclusive, muito legal ver como é o lado de dentro de uma indústria farmacêutica trabalhando com inovação, com dados, com o slogan aqui do podcast, que é tecnologia como meio, e não como fim. Então, parabéns pelo trabalho, e obrigado por participar hoje aqui com a gente, Marcio. 

Marcio Ramos: Agradeço pelo convite, parabéns pelo trabalho que vocês estão realizando, também acredito que tecnologia é meio e não fim, e falando de slogan, pelo menos aqui na Novartis, a nossa ambição é reimaginar a medicina, e é isso que a gente está tentando fazer, como é que a gente reimagina saúde, como é que a gente reimagina a medicina de uma forma que a gente cumpra esse propósito de impactar mais gente, preferencialmente em um período menor, porque elas precisam.

Cássio Politi: Muito bem, vamos chegando aqui ao final do Think Tech de hoje. E a gente falou de doenças raras, junto com o Marcio, e é sempre difícil pensar em doença rara, ainda mais para criança, mas perdão até pelo paradoxo, Sara, mas as doenças raras me parecem que acometem um número grande de pessoas. 

Sara: Sim, Cássio, existe uma estimativa da Interfarma de que 13 milhões de brasileiros tenham uma doença rara, são entre 6 mil e 8 mil doenças raras no total, 75% delas afetam crianças, e 80% têm origem genética, (três) [00:38:55] em cada dez pacientes morrem antes dos cinco anos de idade. 

Cássio Politi: É isso. Então, 13 milhões de brasileiros com uma doença rara significa 6% da população mais ou menos, não é pouca coisa. Mas olha, para você não se confundir, são aí seis, 8 mil doenças raras diferentes que acometem essas pessoas, por isso que o volume final acaba sendo grande, o que é muito triste de pensar, especialmente quando se trata de crianças, qualquer pessoa já seria triste, com crianças é ainda mais dramático, por isso que é bom ter a tecnologia para ajudar a amenizar esses números, melhorar esses números pouco a pouco. É isso aí, então, o Think Tech de hoje fica por aqui, até a próxima, hein.