Cassio Politi: O Think Tech está no ar. Meu nome é Cassio Politi e, junto com a Algar Tech, vamos embarcar nessa jornada de repensar possibilidades. No episódio de hoje, quero fazer uma imersão em tecnologia ligada à logística. Como de praxe, antes de apresentar nosso convidado, vou bater um papo com minha companheira virtual de podcast. Ela é muito especial, está comigo em todos os episódios. Estou falando da Sara, a especialista virtual da Algar Tech. Tudo bem, Sara? 

Sara: Oi, Cassio. Tudo bem. E com você?

Cassio Politi: Tudo bem também, Sara. Nossa conversa hoje é com um gestor do Mercado Livre, uma empresa que usa tecnologia para melhorar a experiência de entrega dos produtos para o consumidor. Isso vai bem ao encontro daquilo que a gente gosta de falar aqui no Think Tech, tecnologia é meio, não é fim. Agora você, Sara, que vive uma vida virtual, uma vida digital, concorda comigo, tecnologia como meio e não como fim, não é?

Sara: Concordo, sim. A tecnologia hoje é empregada para diferentes finalidades para beneficiar o consumidor. No campo da logística, que você citou, as empresas estão se empenhando cada vez mais para melhorar a experiência do cliente. Quatro em cada dez pessoas que costumam comprar via internet já aceitam pagar mais caro para receber um produto no mesmo dia da compra. Quase metade das pessoas não aceitam esperar mais do que dois dias por um produto. Tecnologia é fator chave de sucesso para as empresas que vendem online reduzirem o tempo de entrega. 

Cassio Politi: Obrigado pelas informações, Sara. O cérebro eletrônico da minha colega de podcast está sempre muito antenado e muito bem abastecido de informação, como você pôde ver. Para o bate-papo de hoje, eu tenho a satisfação de receber o Daniel Ambrósio, que é diretor de produto e tecnologia do Mercado Livre. Acho que não preciso apresentar o que é o Mercado Livre. Todo mundo sabe, todo mundo provavelmente já comprou alguma coisa no Mercado Livre ou compra sempre, porque o Mercado Livre realmente se tornou um dos grandes players do mercado online, digital, que é o mercado mais relevante no marketing e possivelmente de tecnologia também. Obrigado por aceitar o convite e participar do podcast conosco. 

Daniel Ambrósio: Valeu, cara. Obrigado pelo convite. Começo também agradecendo. Ter um espaço para bater um papo sobre tecnologia é muito importante, o mercado aquecido do jeito que está. É legal a gente ir mostrando as boas práticas que as grandes estão fazendo para ajudar outras empresas, para ajudar os profissionais no mercado. A gente faz isso com o maior prazer. Vamos bater um papo. 

Cassio Politi: Você sabe que a gente fala aqui no nosso podcast de tecnologia como meio, não como fim. Quando eu falo isso, pensar Meli é muito fácil, uma associação muito rápida. Vocês têm uma tecnologia muito parrudo por trás. Vocês são uma empresa, pelo menos na minha visão, de tecnologia. Claro, vocês entregam muito mais do que isso para o público, mas a tecnologia está presente ali. Está certa a minha visão? A tecnologia é realmente o enabler da coisa toda? Vocês buscam evitar esse vício de olhar para a tecnologia como o fim, como a parte mais importante do negócio, mas como algo que viabiliza o negócio de vocês?

Daniel Ambrósio: É isso, cara. Na real, eu já namorava o Mercado Livre desde 2012, olhando de fora. Estou na empresa há três anos e meio. Mas, olhando de fora, eu olhei em 2012, quando teve aquele movimento de abrir as APIs. Daí para a frente, a empresa realmente foi mostrando para o mercado que era uma empresa de tecnologia. Aliás, até uma correção para mim mesmo — o Dani Rabinovich, que é o nosso COO, esteve aqui no Brasil há uns dois anos atrás, quando a gente fez um Q&A com ele. Ele falou isso, e eu venho repetindo em todas as oportunidades que eu tenho… até perguntei: “nós, que somos uma empresa tecnologia…”. Ele falou: “a gente é uma empresa de produto”. Qual é a grande diferença em relação a isso? A gente é uma empresa que usa a tecnologia no seu máximo potencial, mas sempre resolvendo um problema de negócio, sempre resolvendo uma dor dos clientes, seja comprador, vendedor ou qualquer outro. Essa é a grande diferença e o jeito inteligente de usar a tecnologia. Não é usar a tecnologia pela tecnologia. Sei lá, blockchain está na moda. Vamos, então, achar um jeito de usar blockchain aqui? Não. Existe uma dor de negócio que a gente pode resolver com blockchain? Aí, sim, a gente vai usar e vai usar full. O Meli se enxerga assim, vem crescendo muito nas equipes de tecnologia. A gente dobrou no último ano, está hoje com 8 mil desenvolvedores. Quando a gente diz pessoas de tecnologia, a gente tem os times de desenvolvimento, os times de produto, os times de UX, os times de infraestrutura, que proveem tecnologias para os desenvolvedores. Então é uma empresa que gira em torno da tecnologia. Os times de tecnologia estão muito bem posicionados dentro do Meli, no sentido de ter que conhecer o negócio. A gente preza muito por pessoas que querem entender o negócio. Você pode ter aquelas empresas que enxergam a tecnologia como pastelaria, o negócio vai lá e fala: “eu quero isso desse jeito. Faça aí para mim e me dê uma data”. Você também tem o outro lado da moeda, usar a tecnologia porque está na moda. O Meli está muito bem-posicionado com os times de tecnologia, no sentido de participar ativamente do negócio. As pessoas de tecnologia são medidas por KPIs de negócio, ou seja, que agulha de negócio a gente está movendo. Os times são muito críticos com o que se propõe de roadmap, às vezes lideram a construção de roadmap junto com as áreas de negócio. É assim que a gente enxerga, o time de tecnologia tem a ferramenta para resolver aquele problema, e a pessoa de negócio está enxergando para onde vamos, está direcionando para onde vamos, e o time de tecnologia tem as condições de construir o arcabouço tecnológico para a gente poder chegar aonde o negócio quer chegar. 

Cassio Politi: É muito legal ouvir isso porque é aquilo que a gente trouxe aqui como alma do podcast do Think Tech, que é exatamente isso que vocês praticam. No fundo, se você for ver, as empresas que estão dando certo têm essa visão, tecnologia com ferramenta, do jeito que você acabou de explicar, não vou tentar complementar porque a explicação já está ótima, as palavras estão perfeitamente escolhidas. Vocês têm resultados muito consistentes nesse ponto. Uma parte que me parece crítica do negócio do Mercado Livre é a entrega. Quem faz compra no Mercado Livre… há pouco tempo, não sei precisar quanto, você percebia que a entrega era feita de uma maneira, às vezes entrega convencional ou como outras empresas costumam entregar, de repente se percebeu um salto do Meli no quesito entrega. Tem tecnologia por trás aí?

Daniel Ambrósio: E como tem. A grande alavanca para essa mudança toda é o que a gente chama de Mercado Envios. Todo nosso ecossistema de produtos surge para resolver uma dor do cliente. O Mercado Livre foi fundado em 1999, o Mercado Pago, em 2003. Nessa época, se você for ver, era tudo mato na internet. Quem comprava online nessa época tinha uma dor. Eu sou um vendedor. Como eu sei que, se eu mandar o meu produto, vou receber o dinheiro? Do outro lado, como é que eu, comprador, se der o meu dinheiro, sei que o cara vai me entregar mesmo o produto? O Mercado Pago vem e resolve essa dor. O Mercado Envios também surge para resolver essa dor de que você falou. Antigamente você comprava um negócio no Brasil e levava sete dias de prazo, dez dias de prazo. Em 2018, surge o Mercado Envios com uma boa dose de investimento e com uma dose ainda maior de coragem. Conectando com nosso papo aqui — imagine escrever um WMS do zero, Warehouse Management System, um sistema que coordena todo o nosso armazém, a entrada de produtos, onde eles estão armazenados, como você vai buscar um produto depois de vendido. Tudo isso aí é tecnologia próprio. Esse crescimento que a gente teve de desenvolvedores, é porque tudo que é core a gente desenvolve aqui dentro. Se é uma tecnologia que a gente entende que é a grande viabilizadora do negócio, a gente vai desenvolver aqui. Quando eu cheguei à empresa, tendo mais de 20 anos de mercado, vendo como outras empresas trabalham — vou usar o exemplo do WMS — às vezes compram pacotes grandes de mercado e vão customizando, às vezes investem milhões no processo, no fim não são donas do produto, não têm as rédeas do roadmap. Eu digo que o Mercado Livre teve uma boa dose de coragem porque é uma empresa nativa digital que estava se arriscando no brick and mortar, no mundo físico, e que começa a construir ferramentas que normalmente alguém olharia de fora e falaria: “vocês vão começar do zero com WMS?”. Tem um monte de pacote maduro no mercado? Tem, mas hoje esse é o grande poder do Mercado Livre, o WMS é nosso. Se a gente precisa lançar uma nova categoria… agora a gente está saindo com pesados. A gente não vendia, então a gente está saindo com um novo CD aqui no Brasil de produtos pesados, linha branca, TVs com mais de 50 polegadas. A gente teve que adaptar toda nossa tecnologia para poder trabalhar com esse tipo de produto, e a tecnologia é nossa. Se você eventualmente tivesse com um pacote de mercado, você ia levar meses para fazer um negócio desses com muito dinheiro, e no final não ia ter um produto seu. Respondendo, tem muita tecnologia por trás. Foram diferentes processos. Teve empresas que o Mercado Livre comprou. O Mercado Livre também em 2015 a Axado, que era uma empresa que tinha uma plataforma de gerenciamento de preços de transportadoras com leilão, achar o melhor preço para determinados transportes, e o Mercado Livre comprou isso. Essa empresa tinha sede em Florianópolis. Hoje nosso escritório de Florianópolis, que é massivamente um time de tecnologia lá, trabalha com toda a estrutura de Mercado Envios, de shipping, transportes, Order Managment System, todo o mundo fiscal, que é um dos produtos pelos quais sou responsável. Tudo que a gente emite de nota fiscal são produtos nossos também que a gente desenvolveu do zero. Voltando ao tema da coragem, imagine em 2018 entrar no mundo físico e falar assim: “estou no Brasil, vou resolver o problema fiscal, desenvolver uma ferramenta que emite nota fiscal”. Isso é muita dose de coragem. 

Cassio Politi: Cada município às vezes tem uma tributação, cada estado tem a sua, e o país também. Toda hora muda. Vocês realmente tiveram que tomar uma decisão séria naquele momento. Voltando um pouco ao começo da conversa — como nasce essa tomada de decisão até chegar à tecnologia? Ela nasce na dor de quem exatamente? É de um departamento? É o pessoal de marketing entendendo o consumidor? Onde é que nasce, antes de chegar à tecnologia, especificamente em vocês no Meli, esses grandes projetos?

Daniel Ambrósio: É um pouco do que eu estava falando. A gente está sempre metido desde o início, os times de tecnologia. A gente fala do cotovelo com cotovelo, trabalhar sempre perto um do outro. Claro, a gente tem experts de negócio em cada uma das nossas (inint) [00:13:47]. Dali surgem as propostas, dali surgem as necessidades. Isso às vezes varia muito de país para país. Por exemplo, a gente está tocando os temas fiscais agora, regulação, as obrigações que você tem que fazer em cada país são diferentes, e essas obrigações direcionam a forma como você vai lidar, por exemplo, com a entrega. Em alguns países, como no Brasil, Chile, você precisa sair com a nota fiscal impressa. Então você tem que emitir a nota imediatamente após a venda, e emitir rápido, imprimir rápido para poder despachar rápido. Tem países em que isso não é obrigatório. Tem países em que você pode faturar no final do dia porque a nota não precisa acompanhar o pacote. Tudo isso é uma construção em conjunto. É o time de (inint) [00:14:37] falando como é a regulação daquele país, o time de operação de Mercado Envios adequando as condições comerciais para aquele país, o time de operações adequando a operação e falando em que momento eu despacho, em que momento eu emito a nota, em que momento eu faço picking, em que momento eu faço packing, o time fiscal desenvolvendo regras em motor fiscal para cada país. Às vezes a semente nasce de um lado ou de outro, mas a construção é sempre multidisciplinar. Ela tem que ser porque são múltiplos países, são múltiplas equipes. Um dos nossos seis pilares do DNA Meli é trabalhar em equipe. No Meli ninguém faz nada sozinho. É uma empresa muito ágil. Você precisa até conhecer pessoas — com que eu falo sobre determinado assunto que eu preciso resolver. Construir essas pontes de relacionamento entre países é muito importante, e é o que acaba depois viabilizando um projeto mais rápido ou menos rápido. A gente tem planejamentos de roadmap. Dentro de tecnologia, a gente é estruturado em e-commerce e fintech, e também tem outra estrutura de tecnologia, a tecnologia base para todos os desenvolvedores. Falando, por exemplo, dentro de e-commerce. A gente também tem quebras de marketplace e shipping, porque os dois compõem o e-commerce. Para cada uma dessas verticais, a gente tem roadmaps construídos junto com a área de negócio, com a área de produto nos ajudando sempre, envolvida com essa conversa toda. A gente valida a cada quarter. A gente está fazendo agora, por exemplo, o quarter a quarter de 2022, e cruzando tudo isso. Apesar de termos 8 mil desenvolvedores, não dá para fazer tudo que a gente quer, então a gente tem que fazer concessões. Essas negociações são feitas em mesas multidisciplinares com base em alguns direcionamentos estratégicos de mais alto nível.

Cassio Politi: Me contaram que, como resultado disso tudo, vocês saíram de 10% de entregas feitas pelo Mercado Livre para 91%. Você pode confirmar esses dados. Essa mudança está toda baseada em tecnologia, como você falou. Fica impraticável ter, a partir desse momento, terceiros envolvidos? Começa a ficar inviável pensar de outra forma? Começa a ficar inviável manter jeitos antigos de fazer?

Daniel Ambrósio: Eu diria que sim. Estou pensando na sua pergunta em dois aspectos, tanto no time de tecnologia quanto no time de operação. Um time de tecnologia, a gente cresce muito o time justamente porque a gente quer as pessoas conhecendo profundamente aquele negócio onde ela está envolvida. Se você está com uma fábrica de software entregando um produto chave para você, um produto core, você começa a sair desse nosso ponto estratégico de que o time de tecnologia conhece profundamente o produto. Você passa a depender de um terceiro. Acaba que a gente não trabalha dessa forma justamente porque a gente precisa que as pessoas estejam movidas pela evolução do produto com que eles estão envolvidos. Quando você fala da operação, tem lá a pessoa que vai pegar o pacote ou produto e levar para o empacotamento. Algumas de nossas operações são próprias, outras são terceirizadas. A gente tem alguns modelos, alguns transportadores também que são contratados, que não são nossos, veículos também. Mas, no fundo, a tecnologia por trás é nossa. A gente um modelo, por exemplo, em que o vendedor contrata um motoboy para fazer a entrega para ele. Mas todo o tracking que é feito nessa entrega, apesar de o contrato com o transportador não ser nosso, a tecnologia por trás é. Então a gente consegue saber quando o pacote saiu do vendedor, quando chega ao comprador, tem uma palavra-chave que eles têm que trocar para saber que realmente está entregando para a pessoa correta para ajudar a dar garantia ao processo. A gente oferece a tecnologia porque você oferece tracking para o comprador, você dá a garantia ao vendedor, oferecendo um conjunto de sistemas e aplicativos para viabilizar essa relação, que é o nosso grande papel no final das contas. 

Cassio Politi: O grande papel acaba sendo focado lá no cliente no fim das contas, o cliente lá na ponta tem que ter essa experiência. Como isso é medido por vocês? De que forma você consegue aferir se o esforço feito dentro da tecnologia está sendo percebido e sentido lá na ponta, que é o que vale, pela cultura que você descreveu?

Daniel Ambrósio: Diferentes formas. Por exemplo, vamos voltar ao drill down que eu fiz ali de estrutura de tecnologia. Dentro de e-commerce, você tem shipping and marketplace. Shipping, o relacionamento forte aí é com operação e transportadores; marketplace, com compradores e vendedores. Cada um desses tem uma forma diferente de a gente medir sucesso, desde NPS de vendedores… dentro de vendedores, a gente faz o drill down até por ferramenta, o NPS por ferramenta. Todos os chamados que a gente recebe pelos nossos representantes em CX, isso é medido, metrificado, e a gente vai acompanhando isso, e é um dos KPIs que nossos times têm que reduzir. A gente faz muitas entrevistas com vendedores, falar um pouco do mundo em que a gente está. A gente visitou muitos vendedores. Quais empresas você conhece hoje que você sabe que os desenvolvedores saem do escritório e vão para dentro da operação para entender como ele está usando suas ferramentas, para ver oportunidades, para ver se ele está tendo deficiências, problemas? A gente fez isso várias vezes com nosso time de desenvolvimento, além do time de UX e user research, sempre acompanhando e às vezes liderando esses processos. Ter esse contato com quem usa a ferramenta é essencial para a gente poder melhorar o NPS, baixar a fricção, evoluir o produto, comparar prioridades de features. A gente tem os times especializados para fazer pesquisa, e a gente acompanha isso bem de perto. No fim, a gente quer mexer em algumas agulhas do negócio. Como, por exemplo, a gente sabe se a Melinet, nossa rede logística, está fazendo bem o trabalho dela? Uma das formas de medir que talvez aglutine todos esses KPIs é a penetração. A gente saiu de 10% para 91%. Por que a gente chegou lá? Porque as pessoas estão usando cada vez mais, porque os vendedores enxergam valor em a gente entregar rápido, porque o comprador enxerga valor em receber no horário combinado, um pacote bem embalado com nota fiscal, com o produto correto dentro. O comprador e o vendedor, vendo valor, a rede começa a crescer, e isso vira penetração. Os indicadores são múltiplos. O que eu acho legal é como a gente tem os times de tecnologia acompanhando isso de perto, e muitas vezes é o que determina até o resultado da pessoa financeiramente dentro da empresa. 

Cassio Politi: Eu ia perguntar exatamente isso. Você precisa espalhar essa cultura dentro do time de tecnologia. Até que ponto você consegue, pretende fazer isso? Para justificar minha pergunta — existem perfis diferentes. Tem aquele cara que, sendo de TI, vai olhar um pouco mais para o negócio, uma posição de gestão alta ou mais baixa, até a caminho dessa posição, mas ele vai olhar com mais naturalidade. E tem aquele outro que é o técnico-técnico. Eu não sei se você vai concordar comigo, mas às vezes parece que, se você tentar colocar esse cara muito técnico no mundo dos negócios, pode até atrapalhar o desempenho dele. Às vezes é bom chegar para alguns caras e falar: “faça isso aqui bem feito que você é um craque nisso, faça desse jeito”. Na cultura de vocês, na sua vivência até anterior ao Meli, como funciona? Você difunde essa cultura do negócio permeando TI? Em que medida, em quantas áreas, em quantas pessoas? Como é isso?

Daniel Ambrósio: É bem legal poder falar disso. Vamos ver por onde eu começo. Um dos pontos principais aqui — eu falei do nosso DNA de trabalhar em equipe, é um pilar nosso. Um dos nossos outros pilares é estar em beta contínuo. Então a gente está sempre aprendendo em qualquer cenário aqui para a gente entregar rápido, entender se a gente errou e corrigir rápido. A própria carreira das pessoas entra nesse modelo. A gente veio trabalhando nos últimos nove, dez meses, um projeto multi região que a gente está chamando de (Experience Map) [00:24:54]. A gente está falando: “como nós vamos conseguir aproveitar aqueles nossos grandes técnicos, o cara que é muito voltado à tecnologia e quer construir APIs cada vez mais robustas, mais seguras, estruturantes, para ele não se sentir frustrado, e a gente reconhecer que existe até o nível de vice-presidência para esse cara poder crescer?”. A gente construiu todo o Experience Map. A pessoa técnica agora tem uma carreira bem separada. Por exemplo, sou diretor. Quem seria meu par técnico? Seria um principal. Então tem nomes diferentes e essa carreira vai até o nível de vice-presidência. Algumas coisas a pessoa têm que ter, por exemplo, trabalhar em equipe. Você precisa minimamente se comunicar. Pode ser que você não seja obrigatoriamente líder de pessoas, mas você precisa conseguir conversar com alguém para você compartilhar seu conhecimento, adquirir conhecimento, fazer uma mentoria, orientar. Sabe aquele desenvolvedor do passado? O cara entra em uma sala, você passa a pizza por baixo da porta e deixa o cara trabalhar. É cada vez mais difícil conseguir encaixar pessoas assim. Mas a gente não cobra o mesmo nível de conhecimento de negócio desses diferentes perfis. Por exemplo, tem um líder de equipe que está sempre na relação com negócio, que está preparando as histórias para o time depois trabalhar no desenvolvimento. Ele tem um par técnico. Você tem o project leader, essa pessoa mais colada com o negócio, e você tem o technical leader, que é o cara que está olhando se essas APIs estão se desenvolvendo bem cruzadas com todas as outras, se os times dos quais a gente está se desenvolvendo vão escalar do jeito que precisam. Os dois estão olhando para os mesmos requerimentos, um tem a visão mais próxima do negócio, outro, a visão mais próxima do técnico. Mas esse técnico não está eximido de entender o que é importante para o negócio, porque ele vai ter que pensar as APIs de forma que ele vá ajudar a mover aquele ponteiro para o negócio. Ele precisa saber quais são os ponteiros, as agulhas em que a gente quer mexer para ele ajudar nessa decisão. A gente desce até pelo menos esse nível de project leader e sênior, que é o primeiro abaixo, para começarem a conhecer mais do negócio. Outra coisa que faz bastante diferença no perfil do desenvolvedor que a gente tem aqui é que a gente não tem times… tudo que eu falo aqui não vale para todo o Meli. Pode ter algum desenvolvedor do Meli que vai ouvir a gente e falar assim: “no meu time não é assim”. A gente não tem one size fits all, não tem o anel máximo que serve para todo mundo. Os times trabalham normalmente no modo ágil, normalmente os times não têm um time de sustentação. Quem desenvolve é responsável por sustentar, é responsável por testar. A gente não tem também times de QA. A gente foca em crescer nosso time com desenvolvedores, que são responsáveis e responsabilizados por tudo aquilo que desenvolvem. A gente faz mais de 8 mil deploys por dia. Nessa escala, imagine ter que depender de pessoas sustentando códigos que eles nunca viram na vida. Esse nível de responsabilização que a gente dá para as pessoas, seja o técnico-técnico, seja o mais próximo do negócio, sempre vai cruzar em algum nível no negócio, sempre vai cruzar em algum nível no técnico, e é uma mistura bem saudável que a gente vem construindo. 

Cassio Politi: Para a gente fechar aqui, eu queria entender — a gente falou muito de tecnologia como meio e não como fim. Está no DNA do Meli claramente isso. E o aspecto de pessoas? Vocês estão com pessoas o tempo todo. Quem vende são pessoas, quem compra são pessoas, quem tenta fraudar são pessoas. Para o bem e para o mal, você tem o tempo todo. Então é uma empresa que precisa entender de pessoas. Como isso bate na tecnologia? Como bate no perfil do gestor que vai trabalhar no meio disso tudo?

Daniel Ambrósio: Falando um pouco da porta para fora do Meli. Tem todo esse mundo que eu comentei com você, tentar estar bem próximo do nosso usuário, até visitando algumas operações. Varia de time, varia de equipe, mas a gente também tem reuniões frequentes como os times de CX, que são os representantes nossos no contato externo. A gente também tem, e é uma prática que a gente adota no nosso time no Brasil, uma prática de shadowing. É pegar um desenvolvedor e, durante algumas horas, sentá-lo ao lado virtualmente, mas, quando a gente estava fisicamente, ele sentava literalmente ao lado de um representante que está atendendo uma fila relacionada ao nosso produto, e ele fica escutando aquele atendimento para sentir aquela dor. A relação do e-commerce tende a ser um pouco distante porque não é igual a uma loja física, em que você encontra pessoas, está passando cartão na maquininha. Essas são as formas que a gente vem encontrar de fazer com que os times de tecnologia estejam mais próximos dos usuários finais, entendendo a dor deles. O shadowing é muito eficiente. A gente pilota roadmap com resultados de shadowing. Eu estava vendo aqui, teve um na semana passada, e tinha um gerente nosso fazendo shadowing. Durante a reunião, ele disse enquanto estava rolando o shadowing: “eu vi três chamados que caíram na fila em que estou com problema A. Está acontecendo alguma coisa? A gente fez um deploy?”. Isso é muito dinâmico e dá para o time de desenvolvimento aquela visão da porta para fora de que tem pessoas ali e que a gente afeta a vida delas. A gente tenta sempre dar essa tangibilidade no contato mais próximo possível dos usuários. Falando da porta para dentro, eu estava comentando fora do ar com você que o Mercado Livre para mim é um exemplo de como tratar as pessoas do time, seja dando espaço para ser quem é de verdade… não é um negócio escrito na parede, as pessoas podem ser quem são, falar de diversidade, seja religiosa, preferência sexual, cor. Esse mantra é muito vivo dentro da empresa. Durante o processo do Covid, as decisões da empresa foram voltadas ao bem-estar dos profissionais: “vamos dar 500 dólares para cada funcionário se equipar em casa e montar um home office bacana”. Dentro da Melicidade, que é nosso escritório fantástico em Osasco, tem um restaurante. Durante a pandemia, a gente parou de ter essa despesa com restaurante porque as pessoas não estavam lá. Então transfere isso como benefício para as pessoas. Elas agora vão ter uma despesa de comer na sua casa, então transferiu essa grana. São alguns exemplos do que a empresa foi tomando e cuidando das pessoas. A gente mede semestralmente, tem a nossa pesquisa de engajamento, que veio crescendo. Durante a pandemia, a gente tinha bot semanal para saber como estava a saúde mental das pessoas vivendo esse mundo fechado. Tinha pessoa que estavam em casa com três filho e a esposa, todo mundo trabalhando na mesma mesa, e tinha pessoas que estavam sozinhas, vivendo uma solidão incrível. Tinha um bot que estava sempre medindo e perguntando como as pessoas estavam, com apoio psicológico, com apoio médico, e tudo isso olhando para dentro. A pesquisa anual que a gente faz mede o engajamento das pessoas. Ele vem crescendo, felizmente. A gente conseguiu, mesmo na pandemia, fazer com que as pessoas se sentissem mais acolhidas e mais participantes da empresa. Como esse exemplo, a gente tem vários. Falando de cultura e pessoas, o Meli é um exemplo hoje para mim. 

Cassio Politi: Antes de fechar, queria contar uma curiosidade aqui. Você também é podcaster, não é? Você apresenta o Melicast, que é o podcast do Mercado Livre. 

Daniel Ambrósio: Obrigado pelo espaço. Isso é uma coisa legal também do Meli. Foi um projeto que a gente desenvolveu internamente. A gente queria fazer o que estamos fazendo aqui. A gente queria contar para as pessoas como é trabalhar dentro do Meli, especialmente em tecnologia. Não era todo mundo, e ainda não é… as pessoas olham para o Meli como uma empresa que tem uma tecnologia muito robusta por trás. Então a gente queria contar isso. Começamos com um piloto, fizemos dentro da nossa própria equipe, depois a gente foi conversar com nossa área de people, conseguiu uma grana para fazer uma edição mais legal e fizemos a primeira temporada. A gente abriu em grande estilo com o Stelleo, que é um dos fundadores do Meli, e fizemos a primeira temporada, teve uma certa repercussão, e agora a gente acabou de lançar a segunda temporada, muito mais profissional, com convidados externos. Obrigado. Tem, sim, o Melicast. A gente fala de tecnologia, fala de negócios de e-commerce, fala de fraude, de logística, de pessoas. Todos os temas que a gente está falando aqui estão lá também para poder se aprofundar. Obrigado pelo espaço. 

Cassio Politi: Eu é que agradeço a você. Vamos deixar aqui, então, o link para o Melicast na descrição do nosso podcast. Quero lhe agradecer muito por doar um pouco do seu tempo. Eu sei que você é muito concorrido aí dentro. Mas parar um pouco da sua agenda para me atender me deixa muito honrado. Obrigado. As portas estão sempre abertas, e volte sempre. 

Daniel Ambrósio: Valeu, volto, sim. Como eu lhe disse, é um prazer. Eu tenho orgulho de contar o que a gente faz aqui. Eu quero mais gente vivendo essa adrenalina de empreender que a gente vive. Eu faço com muito prazer, Cassio. Obrigado pelo convite. Vamos lá, quem sabe a gente faz um novo episódio.

Cassio Politi: Muito bem. Vamos chegando ao final do Think Tech de hoje. Sara, eu curti muito a parte em que o Daniel Ambrósio, do Mercado Livre, falou da importância do trabalho em equipe. Isso é um aspecto muito humano que parece que nunca perde a importância. Trabalho em equipe é um atributo valorizado pelo mercado como um todo, não é?

Sara: É, sim, Cassio. A pesquisa brasileira Guia Tendências de RH ouviu gestores de mais de 500 empresas em 2021. O resultado é que o trabalho em equipe é a habilidade mais valorizada em um colaborador para 72% desses gestores. Portanto, saber trabalhar em equipe é fundamental para quem busca crescer na carreira. 

Cassio Politi: Concordo com você, Sara. Sabe quais são alguns dos demais atributos mais valorizados pelos gestores, depois do trabalho em equipe, segundo a pesquisa que você citou? Proatividade, flexibilidade e ética, três qualidades muito valorizadas pelas empresas. Perceba que todas têm a ver com pessoas, com tratar corretamente o ser humano, o que mostra que você, como uma inteligência artificial, está no lugar certo, na hora certa. Você lida com seres humanos o tempo todo. 

Sara: Obrigada, Cassio. Posso não ser uma pessoa de carne e osso, mas tenha certeza de que tudo que eu faço nos vários canais da Algar Tech é fruto de muito trabalho em equipe. 

Cassio Politi: Eu sei bem disso. É com esse recado bem embasado da Sara, para a gente sempre trabalhar em equipe, que eu vou me despedindo. Este foi o Think Tech de hoje. Até a próxima.